Ficou célebre em Portugal um "
Tête a tête" televisivo entre Mário Soares e Álvaro Cunhal em que este se repetia continuamente comentando o seu interlocutor com um "olhe que não, dr., olhe que não".
Lembrei-me desta frase a propósito do que alguns
media relatam como tendo sido afirmações da Ministra das Finanças da RDTL, Drª Emília Pires, numa conferência de imprensa no rescaldo da aprovação do OGE2009.
Segundo essas fontes ela terá dito
“Como país que importa quase tudo e tem falta de infra-estruturas básicas, o colapso dos preços a nível global são uma dádiva do céu.”“A Ministra de Finanças disse que na actual crise económica mundial, a desgraça de todos os outros tem sido uma "boa oportunidade" para Timor Leste...”Sinceramente, não vejo como sustentar estas afirmações. Daí o "olhe que não, Drª!... Olhe que não!"Vejamos uma das afirmações e que parece desempenhar um papel central na argumentação da Ministra: "o colapso generalizado dos preços".
Abaixo podemos ver os gráficos das estimativas mais recentes do FMI (Jan/09) sobre a evolução das taxas de inflação em 2009 e 2010 no conjunto das economias mais desenvolvidas e nas economias em desenvolvimento:
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Deste gráfico pode deduzir-se que vai haver, de facto, uma forte redução da
taxa de inflação mas que esta, nos países em desenvolvimento, vai apenas e quase no sentido de retomar as taxas anteriores à forte subida dos preços dos combustíveis (e algumas outras matérias primas) iniciada em 2005-06.
Quanto às economias mais avançadas a queda é para níveis historicamente muito baixos (cerca de 0,3% em vez dos anteriores 2,1% em 2007 e 3,5% em 2008) mas, tal como no caso dos países em desenvolvimento, deve-se à conjugação de uma forte queda do preço das matérias primas (principalmente o petróleo) e da queda da procura a nível mundial devido à falta de dinheiro disponível no mercado.
Mas será esta "desgraça dos outros" suficientemente forte para justificar que se diga que isso é "uma boa oportunidade para Timor"? Repare-se que
os preços vão continuar a subir --- e não a baixar; o seu ritmo de subida é que vai abrandar um bom bocado... O que não é bem a mesma coisa... Terá havido aqui algum "tomar a nuvem por Juno", isto é confundir
queda da taxa de inflação com
queda dos preços. O que vai acontecer é que os preços --- em média mundial --- vão passar de 100 para 102,5 em vez de para 105, p.ex; eles NÃO vão baixar para 95! A não ser uns quantos, como se vê adiante). Onde está, então, o "colapso dos preços"?
Isto é: a queda dos preços (em geral) NÃO se vai verificar apesar da forte queda do ritmo da sua subida. Por isso não me parece que seja de se "embandeirar em arco" até porque... há preços e preços...
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De facto, dos preços que interessam a Timor o preço que mais vai descer em relação ao passado recente é o do petróleo --- mas este é exactamente o preço que interessava a Timor Leste que se mantivesse mais alto para maximizar as receitas petrolíferas, o capital do Fundo Petrolífero e... o rendimento deste transferível para financiar o Orçamento do país.
Não vejo, portanto, em que é que isto beneficia o Timor Leste. Antes pelo contrário já que as poupanças que se fazem na importação dos derivados (destilados) do petróleo não compensam o que se perde na exportação do petróleo bruto. É bom não esquecer que as estimativas actuais são de que o preço médio do petróleo em 2009 será de 50 USD, contra os cerca de 100 no ano passado --- uma queda para metade! Hoje está nos cerca de 40 USD/barril.
Dois outros preços muito importantes para Timor Leste são o do arroz e o do café. Do primeiro porque a população depende significativamente, para a sua alimentação, do arroz importado --- mais "as cidades [do qu]e as serras".
Aqui não há dúvida: o país vai beneficiar (proporcionalmente mais o governo do que as pessoas porque aquele vai ver baixar significativamente (?) o nível do subsídio a conceder na venda de arroz).
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Quanto ao café, porque ele é praticamente o único produto não-petrolífero exportado pelo país, a possível queda do seu preço prejudica o país e, em particular, os cultivadores timorenses.
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Até agora, portanto, parece-nos que não há nada que justifique o entusiasmo da Ministra das Finanças.
Mas então em que estava ela a pensar quando disse o que disse --- e, na minha opinião, não devia ter dito... Mas disse e está dito não advindo daí grande mal ao mundo. Como um colega meu explicava ao professor de Português por se rir quando já todos estavam calados: "saíu-lhe pela boca"...
O raciocínio parece ser simples --- mesmo simplista... --- e ser do tipo: compramos quase tudo no exterior e vamos comprar tudo mais barato! Claro que o "tudo" aqui é uma força de expressão. Timor Leste é, de facto, principalmente importador (comprador no mercado internacional) mas a verdade é que também é exportador. Principalmente de petróleo e gás natural, cujos preços estão em forte queda, como vimos.
No que a Ministra estava também a pensar --- "penso seu de que", na versão Pinto da Costa --- é que a construção das tão apregoadas infraestruturas iria ser agora também mais barata. Mas isso não é necessariamente assim: é que boa parte delas serão contratadas no exterior e os preços a pagar não serão necessariamente mais baixos por causa da crise. Até porque haverá também que ter em atenção a evolução da taxa de câmbio do USD, que não permite grandes optimismos.
Finalmente, há que ter em consideração o que se passa quanto às taxas de inflação nos países vendedores. Sendo a Indonésia fornecedora de cerca de metade das importações de Timor Leste, interessa saber o que se vai passar neste país quanto à inflação. O gráfico abaixo ilustra a evolução recente da taxa de inflação na Indonésia
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Depois de ter atingido os 12,1% em Setembro passado (relativamente a Setembro de 2007), a taxa de inflação começou a diminuir e em Janeiro passado estava nos 9,2% (face a Jan/08). A taxa meta estipulada pelo Bank Sentral Indonesia para 2009 é, no entanto, 4,5% (+/- 1%).
Mais uma vez
não se trata de baixa dos preços mas sim de um
menor ritmo de subida deles.
Moral da história: parece-me que não há, de facto, razões para grandes euforias. Embora se possa esfregar as mãos de contente por ir pagar um pouco menos do que se pensava vir a pagar... Mas será isso suficente para esquecer que as receitas (petrolíferas) vão ser muitoooo menores que no passado recente? Naaaaaa...
E isto para não falar de um aspecto já aqui referido noutras ocasiões: o de que as taxas de juro e o montante dos juros a receber pelo Fundo Petrolífero vão ser, no futuro próximo, muito mais baixos.
Onde está então a "boa oportunidade para Timor"? Pagar um bocadinho menos do que se julgava que se ía pagar com bem menos dinheiro vivo na algibeira? Bah!...