quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Ainda a questão da tracção animal

Um comentarista (a quem agradeço) da mensagem abaixo sobre a utilização da tracção animal em Timor Leste escreveu o seguinte:

"Pura e simplesmente vergonha.

E também um pouco porque nem os Indonésios utilizam esse sistema de transporte bovino (STB). Já fui a várias das ilhas indonésias (Java, Sumatra, Bali, Kalimantan) e raramente é utilizado como transporte. Uma vez que da experiência deles vem dos Indonésios e dos Portugueses e nenhum deles utilizada o STB eles também não o utilizam.

E agora com tantos carros a serem distribuídos muito menos.

Status conta e quem anda de STB nunca poderia ter um status muito elevado."

A isto eu respondi:

"Não o mencionei no meu texto [a questão da vergonha e do status] mas por vezes tenho colocado essa hipótese mas, principalmente, a "contrária": i.e., não é apenas um caso de "status" do homem mas (mais?) uma questão de status do animal. Tendo os karaus e os kudas um papel tão importante no imaginário das populações (nomeadamente como símbolos de riqueza), é possível que os donos não queiram "degradar" o estatuto dos animais porque, indirectamente, isso será uma forma "degradar" o seu próprio estatuto. Fará esta hipótese algum sentido?"

O que pensam disto? Quem sabe a resposta?

PS - Podem ver AQUI informações sobre a tracção animal nos países em desenvolvimento

2 comentários:

Anónimo disse...

Caro professor,

Nao creio ser absolutamente verdade que nas zonas rurais da Indonesia, particularmente Java, nao se utilizem animais como forca de traccao. Na regiao de Bantul (terra natal de Suharto), Magelang e nas imediacoes de Surakarta, zonas rurais de Java vi, ha nao muito tempo, muitos bufalos de agua (kerbau) fazerem esse servico.
Quanto a Timor, nao sei, pois (infelizmente) ainda nao visitei as zonas rurais e ainda nao vi nenhum destes transportes. Mas falei com algumas pessoas e disseram-me que no tempo do Rai Diak, os mais ricos (e que, portanto, tinham karaus e kudas) tambem os usavam quer na lavoura, quer como meio de transporte. Mas, ja entao, a posse de uma motazita era sinal de status...
Aproveito para lhe dizer que tanto este blogue como o Livro das Contradisoens sao absolutamente extraordinarios e de leitura obrigatoria quando coloco as maos num computador. Obrigada!
S

Anónimo disse...

Conheco alguns liurais e descendentes de liurais. Segundo eles, os animais tambem servem para trabalhar, nao sao apenas sinonimo de riqueza por si (nao so para barlaki ou para comer espetadas de carne de bufalo nas festas). O problema talvez seja o facto de muitos dos karaus serem "pastoreados" por servos, estando os donos mais preocupados em viver na cidade ou em jogar as cartas (se quiserem ter algum rendimento ou simplesmente comer, dao ordens aos servos para matar os bufalos e depois ou comem ou vendem). Assim, as populacoes mais necessitadas sao aquelas que nao possuem os bufalos ou outros animais e tambem nao os podem usar em proveito proprio. Bem basta em tempo de crise ou guerra que as populacoes, esfomeadas, atacam "propriedade alheia". Mas em tempo de paz, tal como os porcos que andam livremente pelas ruas tem donos (e ai de quem inadvertidamente apanhar um e o comer!), tambem os bufalos nos distritos nao podem ser usados pelos "servos da gleba" (eh ma esta espressao...) ou populacoes comuns. Assim, se algum timorense sem sangue azul tem uns tostoes, se calhar prefere comprar uma mota ou outro transporte motorizado.
S