terça-feira, 30 de março de 2010

Economista não é bruxo!...

Vem este título a propósito da notícia divulgada hoje sobre declarações de Jeffrey Sachs proferidas recentemente em Timor-Leste (ver aqui, sff).
Provavelmente um dos mais conhecidos economistas ligados às questões do desenvolvimento devido à sua ligação ao projecto relativo ao acompanhamento da prossecução dos "Objectivos do Milénio", habituei-me desde há muito a admirar o seu trabalho. Mas... isso não significa que esteja de acordo com determinadas "tiradas" que, na minha opinião, têm muito mais de política (com letra pequena) que de Economia (com letra grande). As suas afirmações feitas em Timor-Leste e a propósito do futuro económico do país são uma "salganhada" de Economia, de política e de... "bruxaria" (?).

Na verdade, as partes em que se aproxima mais da primeira é quando diz que o "Governo precisa de ser esperto na maneira como gasta os biliões de dólares de rendimentos do petróleo e do gás [natural]" e quando aponta como áreas fundamentais para esse gasto os do "investimento em capital humano, infraestruturas e sectores em desenvolvimento como o turismo e a agricultura".

Por outro lado, já anda perto da política e, quiçá, de alguma "bruxaria" quando diz que "a Ásia está a apanhar os países mais desenvolvidos [é esse o sentido da expressão "catching up"] e que --- note-se que o que se segue não surge com as tradicionais aspas que assinalam uma citação ipsis verbis de um autor pelo que ele pode ter dito algo (ligeiramente?) diferente --- Timor-Leste "cavalgará a onda regional para uma maior prosperidade".
Claro que isto é o que todos desejamos mas daí a tomar como certo este futuro vai alguma distância que os economistas que são só e apenas isso não se atreveriam a afirmar com tanta certeza. Mas que, mais uma vez, se deseja que tal aconteça e, mais, que tal é o que é mais "natural" que venha a suceder, não há dúvida. Mas sendo assim esta é das tais afirmações "lapalissianas" que "não aquecem nem arrefecem"... Aliás, com (proporcionamente) tantos recursos disponíveis, mal estaria o país se isso não acontecesse.

Onde --- a acreditar na notícia do jornal --- ele está nitidamente pior é quando diz que "o Governo precisava de injectar os rendimentos do petróleo e do gás, num montante de cerca de cinco mil milhões [5 biliões na terminologia anglófona] de dólares, na economia".
E agora sim, com aspas assinalando citação das suas próprias palavras: "Vocês não precisam de comprar títulos do Tesouro dos Estados Unidos". "[Do que precisam] é investir no vosso próprio futuro e por isso, melhor que amontoar este grande montante de dinheiro, é usar os fundos para investir em infraestruturas, capital humano [i.e, formação/educação das pessoas], modernização da agricultura, desenvimento do sector de hidrocarbonetos [curioso o facto de noutro local não ter referido este sector] e outras áreas".

Aqui o homem foi longe de mais... Não há um único economista digno desse nome que não saiba que nas ciências sociais, em geral, e na Economia, em particular, nada é "preto" ou "branco", ou fazes "isto" ou fazes "aquilo". TUDO são zonas cinzentas, nuns casos mais escuros, noutros mais claros. Há sempre várias soluções, várias combinações de "o que fazer", e a "arte do artista/economista" é exactamente determinar a(s) combinação(-ões) que maximizem o que gostamos de chamar a "função de bem estar social".
Ir a uma assembleia como a que se reuniu em Dili para dizer o que ele disse tem um nome: DEMAGOGIA. E a demagogia anda, por vezes, de braço dado com a "bruxaria"...

Ele poderia (e devia) dizer que a preocupação de muitos em deixar dinheiro para as gerações futuras só faz sentido se, para além disso, se deixarem também outras coisas que têm de ser "construídas" "hoje" e não "amanhã".
O que fazem os (bons) pais? Acumulam dinheiro e mais dinheiro para deixarem aos filhos mas deixam-nos analfabetos ou, pelo contrário, preferem investir na educação dos filhos HOJE para lhes dar as ferramentas para eles próprios tomarem o seu futuro nas suas mãos --- se for possível deixar também uma casinha e uns tostões na conta bancária, melhor...
Mas o essencial, como eu próprio costumo dizer em relação aos meus pais, é "deixar um curso e uma 'espinha direita'" (isto é, um comportamento social irrepreensível q.b., o "bom nome").

Enfim... Feitios!...

sexta-feira, 12 de março de 2010

Aprovada a Lei das Terras

Segundo notícias provenientes de Dili o Governo aprovou hoje a Lei das Terras.


Díli, 12 mar (Lusa) - O Governo de Timor-Leste aprovou as propostas de Lei das Terras, reservando para os cidadãos nacionais a propriedade plena e excluindo os estrangeiros, anunciou hoje fonte do Conselho de Ministros.

O texto do Regime Especial para a Definição da Titularidade de Bens Imóveis (Lei das Terras) aprovado em Conselho de Ministros, a que a Lusa teve acesso, veda a propriedade plena a cidadãos estrangeiros, em conformidade com a Constituição, mas também a sociedades.

No que respeita aos estrangeiros a título individual, a proposta de Lei determina que os bens imóveis de estrangeiros titulares de direito anterior revertam para o Estado, salvaguardando que podem continuar a utilizá-los por meio de contrato de arrendamento com o Estado timorense.


Estas normas não alteram, no essencial, a lei actualmente em vigor. Face à história do país, compreende-se o objectivo a alcançar: limitar a capacidade de cidadãos indonésios reivindicarem terras que terão adquirido em condições que se sabe que não foram, por vezes, as mais "normais".
Naturalmente serão também afectados alguns cidadãos portugueses. Num e noutro caso só aqueles que tiverem direito à dupla nacionalidade poderão ambicionar recuperar a titularidade de propriedades a que se julguem com direito.
Recorde-se que a lei aprovada se aplica à terra e não aos edifícios e outras benfeitorias que estejam implantadas nessas mesmas terras.

Afectadas pela decisão são também as sociedades não-timorenses. Porém, se constituirem empresas de direito timorense essa limitação pode ser ultrapassada. É o que muitas farão, certamente.

A questão do direito à terra é importante para qualquer sociedade e numa perspectiva económica é uma importante condicionante do investimento --- nomeadamente do investimento estrangeiro, de que Timor Leste tanto necessita "por todas as razões e mais algumas", como costuma dizer-se.
Veremos como os investidores reagem a esta situação mas a verdade é que normalmente eles gostam de ter a propriedade plena da terra. No entanto, as restrições sobre o direito de propriedade da terra são comuns a outros --- senão quase todos... --- os países da Ásia Oriental e não é isso que tem impedido que alguns deles tenham sido capazes de atrair um forte nível de investimento estrangeiro desde que lhe seja assegurado um horizonte alargado de propriedde "económica" (mas não jurídica) da terra.

quinta-feira, 11 de março de 2010

"Sera t'il?!..." como dizem os franciús?!...

Surgiu há dias nos jornais (Suara Timor Lorosa'e) a notícia abaixo em que se dá conta de que, segundo a Direcção de Macroeconomia do Ministério das Finanças (o verdadeiro gabinete de estudos e de apoio à Ministra) a taxa de crescimento do país terá sido de cerca de 16% em 2009.



A metodologia indicada parece-nos demasiado simplista e susceptível de criar erros consideráveis quando confrontados com as estimativas feitas por outras vias, com um tratamento mais cuidadoso dos dados. Por isso vemos com algumas reservas esta informação --- que será provisória, anunciando-se a publicação em Abril de dados mais rigorosos. Pena é, no entanto, que não seja dada desde logo informação sobre se os valores encontrados são a preços correntes ou a preços constantes.

Os "preços correntes" são aqueles que pagamos no dia a dia --- no caso em 2009 --- e a fórmula de cálculo que terá sido utilizada (a "velhinha" igualdade base da Contabilidade Nacional PIB= C + G + I + X - M , isto é, o Produto Interno Bruto é igual à soma algébrica dos valores do Consumo, dos Gastos Públicos, do Investimento, das eXportações e (a descontar...) as iMportações) faz suspeitar --- "suspeitar" apenas, sublinhe-se --- que poderão ter sido usados nos cálculos esses preços. A verdade, porém, é que os cálculos devem ser efectuados a "preços constantes" --- por exemplo, calcular o valor da produção de 2007, 2008 ou 2009 com os preços de um ano-base (ex: 2000) --- para eliminar o efeito da taxa de inflação.

Aguarda-se, portanto, um esclarecimento sobre os valores efectivamente utilizados. É que se foram os preços correntes então há que descontar a taxa de inflação. Que noutra notícia recente se diz ter sido de 7% (método de cálculo também a esclarecer já que muito diferente dos 3,6% referidos pela Direcção Nacional de Estatística do Ministério das Finanças). Isto é: 16% - 7% = 9%.

Não estamos a dizer que as contas FORAM mal feitas e que a taxa real de crescimento foi de 9% e não de 16% como anunciado. Seria um erro demasiado crasso que economista nenhum cometeria.

O nosso "ponto" é apenas o de que quando se dão estas informações elas devem ser acompanhadas desde logo dos elementos necessários para o leitor/observador/comentarista aquilatar da qualidade da informação disponibilizada. Caso contrário alimentam-se dúvidas, incertezas, absolutamente desnecessárias e que "se viram contra o feiticeiro".

terça-feira, 9 de março de 2010

La komprende, senhor Ministru!

Os jornais de Timor divulgaram recentemente declarações do Ministro da Economia, Joe Gonçalves, em que ele afirma que a taxa de inflação, "comparando com o ano passado", é de 7%:

"Díli - O ministro do Desenvolvimento e Economia (MED), João Gonçalves disse que, a estas horas, a inflação de Timor Leste atingiu 7%, comparando com o ano passado Timor Leste enfrenta uma crise grande.
De acordo com ele esta inflação está a acontecer porque TL depende grandemente de outras nações, mas por isso mesmo o governo começou a baixar logo os subsídios.
"Esta inflação está num nível aceitável, o governo tem subsídios para alguns produtos que são bastante consumidos em TL, então o governo dá subsídios para nós controlarmos a inflação dentro desta terra", disse ele." [tradução de RP]


Estranhei o valor de 7% --- que, na verdade, não tem nada de "razoável"... --- e fui consultar os últimos dados divulgados pela Direcção Nacional de Estatística, um organismo oficial integrado no Ministério das Finanças.
Ora, os dados da DNE dizem que a taxa de inflação homóloga --- i.e., um mês relativamente ao mesmo mês do ano anterior --- foi de 1,8% em Dezembro de 2009 (i.e., a taxa de inflação do conjunto do ano de 2009 terá sido de 1,8%), tendo "saltado" para o dobro (3,6%) em Janeiro passado comparativamente a Janeiro de 2009. Esta subida deve-se, em parte, à subida de 1,9% dos preços apenas em Janeiro/10 relativamente a Dezembro/09.

Já temos salientado algumas vezes que acreditamos que a desactualização do cabaz de compras com base no qual é calculado pela DNE (tem por base dados de Dezembro de 2001, há 8 anos!) o IPC-Índice de Preços no Consumidor será responsável por alguma subavaliação da taxa de inflação oficialmente determinada.

Porém, daí a esperar que o valor efectivo seja de 7% vai alguma distância. Por isso seria interessante saber como é que o Ministério da Economia e do Desenvolvimento chegou a este valor, tão diferente do do Ministério das Finanças. Recordamos também que a última estimativa conhecida efectuada pelo FMI foi de que a taxa em 2009 seria de 2%, muito próxima dos 1,8% calculados "de facto".
"Não dá a bota com a perdigota"...

Mas há mais nas declarações do Sr. Ministro: a acreditar no jornal ele terá dito que "o governo dá subsídios para nós controlarmos a inflação dentro desta terra".
Pois... De facto, se se subsidiarem os preços --- como se está fazendo com o arroz --- estes serão artificialmente baixos. O "probrema" é que esta é a maneira errada de controlar a inflação... Há que procurar quais são os mecanismos de formação dos preços e tentar actuar sobre eles usando o mais possível as "leis do mercado" em vez de as substituir pelas "leis administrativas" da concessão de subsídios.
Reparem que se um preço aumentar deverá sentir-se uma tendência à diminuição do seu consumo, reduzindo assim a importação --- no caso de ser um produto importado, como são muitos deles. Isto, face à situação concreta do país, é uma coisa boa pois TimorLeste está a gastar muitos (demasiados?) recursos em compras ao exterior, recursos esses que poderiam ser melhor utilizados no país.
Mais: esta subida poderá ter/tem também um valor quase "pedagógico" pois assim as pessoas habituam-se mais a ter comportamentos económicos racionais: se o produto está mais caro há que reduzir o seu consumo, eventualmente encontrando alternativas mais baratas. E assim se vai adaptando também o padrão de consumo do país (qualidade e quantidade) aos recursos efectivamente disponíveis, não "enganando" os mecanismos de mercado (e as pessoas) com a concessão de subsídios que devem ser, quando existentes, reservados apenas àqueles grupos sociais especialmente vulneráveis por serem mais pobres.
Subsídios para todos não fazem sentido sob o ponto de vista económico --- nem, verdadeiramente, sob o ponto de vista social pois são injustos --- embora se compreenda que os custos de montagem de um sistema "discriminatório" possam desencorajar a sua concretização. Mas se a "facilidade" fosse critério nada do que é mais difícil seria feito, não é verdade?

"Chercher la femme!" [literalmente "procurar a mulher"] ou, melhor dizendo, procurem-se com cuidado as verdadeiras fontes da subida dos preços e actue-se no sentido de, utilizando ao máximo os mecanismos de mercado, tentar limitá-la. Proceder de outra forma é estar a construir um edifício sobre bases falsas.