sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

"Olhe que não, Drª! Olhe que não!..."

Ficou célebre em Portugal um "Tête a tête" televisivo entre Mário Soares e Álvaro Cunhal em que este se repetia continuamente comentando o seu interlocutor com um "olhe que não, dr., olhe que não".

Lembrei-me desta frase a propósito do que alguns media relatam como tendo sido afirmações da Ministra das Finanças da RDTL, Drª Emília Pires, numa conferência de imprensa no rescaldo da aprovação do OGE2009.
Segundo essas fontes ela terá dito

Como país que importa quase tudo e tem falta de infra-estruturas básicas, o colapso dos preços a nível global são uma dádiva do céu.”

“A Ministra de Finanças disse que na actual crise económica mundial, a desgraça de todos os outros tem sido uma "boa oportunidade" para Timor Leste...

Sinceramente, não vejo como sustentar estas afirmações. Daí o "olhe que não, Drª!... Olhe que não!"

Vejamos uma das afirmações e que parece desempenhar um papel central na argumentação da Ministra: "o colapso generalizado dos preços".
Abaixo podemos ver os gráficos das estimativas mais recentes do FMI (Jan/09) sobre a evolução das taxas de inflação em 2009 e 2010 no conjunto das economias mais desenvolvidas e nas economias em desenvolvimento:




Deste gráfico pode deduzir-se que vai haver, de facto, uma forte redução da taxa de inflação mas que esta, nos países em desenvolvimento, vai apenas e quase no sentido de retomar as taxas anteriores à forte subida dos preços dos combustíveis (e algumas outras matérias primas) iniciada em 2005-06.
Quanto às economias mais avançadas a queda é para níveis historicamente muito baixos (cerca de 0,3% em vez dos anteriores 2,1% em 2007 e 3,5% em 2008) mas, tal como no caso dos países em desenvolvimento, deve-se à conjugação de uma forte queda do preço das matérias primas (principalmente o petróleo) e da queda da procura a nível mundial devido à falta de dinheiro disponível no mercado.
Mas será esta "desgraça dos outros" suficientemente forte para justificar que se diga que isso é "uma boa oportunidade para Timor"? Repare-se que os preços vão continuar a subir --- e não a baixar; o seu ritmo de subida é que vai abrandar um bom bocado... O que não é bem a mesma coisa... Terá havido aqui algum "tomar a nuvem por Juno", isto é confundir queda da taxa de inflação com queda dos preços. O que vai acontecer é que os preços --- em média mundial --- vão passar de 100 para 102,5 em vez de para 105, p.ex; eles NÃO vão baixar para 95! A não ser uns quantos, como se vê adiante). Onde está, então, o "colapso dos preços"?

Isto é: a queda dos preços (em geral) NÃO se vai verificar apesar da forte queda do ritmo da sua subida. Por isso não me parece que seja de se "embandeirar em arco" até porque... há preços e preços...


De facto, dos preços que interessam a Timor o preço que mais vai descer em relação ao passado recente é o do petróleo --- mas este é exactamente o preço que interessava a Timor Leste que se mantivesse mais alto para maximizar as receitas petrolíferas, o capital do Fundo Petrolífero e... o rendimento deste transferível para financiar o Orçamento do país.
Não vejo, portanto, em que é que isto beneficia o Timor Leste. Antes pelo contrário já que as poupanças que se fazem na importação dos derivados (destilados) do petróleo não compensam o que se perde na exportação do petróleo bruto. É bom não esquecer que as estimativas actuais são de que o preço médio do petróleo em 2009 será de 50 USD, contra os cerca de 100 no ano passado --- uma queda para metade! Hoje está nos cerca de 40 USD/barril.

Dois outros preços muito importantes para Timor Leste são o do arroz e o do café. Do primeiro porque a população depende significativamente, para a sua alimentação, do arroz importado --- mais "as cidades [do qu]e as serras".
Aqui não há dúvida: o país vai beneficiar (proporcionalmente mais o governo do que as pessoas porque aquele vai ver baixar significativamente (?) o nível do subsídio a conceder na venda de arroz).Quanto ao café, porque ele é praticamente o único produto não-petrolífero exportado pelo país, a possível queda do seu preço prejudica o país e, em particular, os cultivadores timorenses.

Até agora, portanto, parece-nos que não há nada que justifique o entusiasmo da Ministra das Finanças.

Mas então em que estava ela a pensar quando disse o que disse --- e, na minha opinião, não devia ter dito... Mas disse e está dito não advindo daí grande mal ao mundo. Como um colega meu explicava ao professor de Português por se rir quando já todos estavam calados: "saíu-lhe pela boca"...

O raciocínio parece ser simples --- mesmo simplista... --- e ser do tipo: compramos quase tudo no exterior e vamos comprar tudo mais barato! Claro que o "tudo" aqui é uma força de expressão. Timor Leste é, de facto, principalmente importador (comprador no mercado internacional) mas a verdade é que também é exportador. Principalmente de petróleo e gás natural, cujos preços estão em forte queda, como vimos.

No que a Ministra estava também a pensar --- "penso seu de que", na versão Pinto da Costa --- é que a construção das tão apregoadas infraestruturas iria ser agora também mais barata. Mas isso não é necessariamente assim: é que boa parte delas serão contratadas no exterior e os preços a pagar não serão necessariamente mais baixos por causa da crise. Até porque haverá também que ter em atenção a evolução da taxa de câmbio do USD, que não permite grandes optimismos.

Finalmente, há que ter em consideração o que se passa quanto às taxas de inflação nos países vendedores. Sendo a Indonésia fornecedora de cerca de metade das importações de Timor Leste, interessa saber o que se vai passar neste país quanto à inflação. O gráfico abaixo ilustra a evolução recente da taxa de inflação na Indonésia

Depois de ter atingido os 12,1% em Setembro passado (relativamente a Setembro de 2007), a taxa de inflação começou a diminuir e em Janeiro passado estava nos 9,2% (face a Jan/08). A taxa meta estipulada pelo Bank Sentral Indonesia para 2009 é, no entanto, 4,5% (+/- 1%).
Mais uma vez não se trata de baixa dos preços mas sim de um menor ritmo de subida deles.

Moral da história: parece-me que não há, de facto, razões para grandes euforias. Embora se possa esfregar as mãos de contente por ir pagar um pouco menos do que se pensava vir a pagar... Mas será isso suficente para esquecer que as receitas (petrolíferas) vão ser muitoooo menores que no passado recente? Naaaaaa...

E isto para não falar de um aspecto já aqui referido noutras ocasiões: o de que as taxas de juro e o montante dos juros a receber pelo Fundo Petrolífero vão ser, no futuro próximo, muito mais baixos.

Onde está então a "boa oportunidade para Timor"? Pagar um bocadinho menos do que se julgava que se ía pagar com bem menos dinheiro vivo na algibeira? Bah!...

1 comentário:

Anónimo disse...

"The World Bank's Antonio Franco said East Timor 's fortune came from being a small economy with oil. He predicted a rise in imports in 2009 but a lower bill than in 2008."

"Antonio Franco do Banco Mundial disse que a sorte de Timor Leste provem de ser uma economia pequena com petroleo. Ele previu um aumento de importacoes em 2009 mas com uma despesa menor do que em 2008"

A ser verdade isto nao e' bom para Timor? Especialmente sabendo que de acordo com os planos do governo este vai ser o ano de arranque do desenvolvimento atraves da "aceleracao de grandes projectos"?

Nao sera "uma oportunidade para Timor" entao poder comprar mais com uma despesa menor a de 2008? E se, segundo o governo, esse arranque na construcao de "portos, aeroportos, escolas e centros de saude" vai criar cerca de 26.000 postos de trabalho em Timor nao sera isso bom para os timorenses?

Especialmente quando no resto do mundo a tendencia e' a de uma subida drastica da taxa de desemprego? So nos EUA esta estimado em mais de 1 milhao os postos de trabalho ja encerrados como resultado directo da crise economica... e a 'procisao ainda vai no adro'.

Nao so, a realizacao desses grandes projectos de infra-estrutura que por fim irao proporcionar um maior nivel de servicos a populacao nao e' um ganho para os timorenses que tem vindo a viver com uma falta de tais servicos?

Ou sera que o Prof. Serra esta a dizer que as previsoes do Banco Mundial estao erradas?...que os timorenses nao vao beneficiar com mais centros de saude, escolas, um fornecimento constante de electricidade...etc? Estou muito curioso em saber se, entre o Prof Serra e o Banco Mundial, a afirmacao nao passaria a ser "olhe que não, Prof!... Olhe que não!". Como nao percebo mais de economia que um comum leigo eu nao posso dizer isso pois nao me atreveria a desdizer um Prof de economia. No entanto a diferenca de opiniao entre Profs e Drs sempre deixam-nos curiosos em saber quem tem afinal razao.

Quanto ao petroleo e' obvio que Timor beneficiaria muito mais se o preco se mantivesse alto para "maximixar os lucros". No entanto estariamos a ser irrazoaveis se concluissemos que em vez de uma perda real de rendimento, a reducao do preco do petroleo em 2009 simplesmente anulou os ganhos inesperados de 2008 quando o preco do petroleo chegou a um record USD$150 por barril? Aparentemente o fundo petrolifero registou em 2008 um crescimento duas vezes maior ao inicialmente projectado...

Estas sao simplesmente consideracoes de um 'estupido' em questoes de economia e gostaria de saber o que o Prof Serra nos podia iluminar um pouco mais sobre estas questoes.

Quem tem razao? O Prof Serra ou os economistas do Banco Mundial?

8 de Fevereiro de 2009 14:51