quinta-feira, 30 de julho de 2009

Taxa de pobreza: 50%? E depois?!...

Interrompo o jejum de fazer comentários sobre a situação económica de Timor Leste porque recentemente surgiu uma polémica sobre se a taxa de crescimento do país em 2008 foi ou não de cerca de 12% e como se explica aos 50% de pobres do país que houve um tão rápido crescimento sem que ele tivesse contribuído (aparentemente, pelo menos) para a redução da pobreza.

Primeiro aspecto: a taxa de crescimento. No debate parece que todos acusam o governo de ter mais ou menos "inventado" aquela taxa, não correspondendo ela à verdade dos factos. Na verdade não foi o Governo que a "inventou". Ela resulta, isso sim, de cálculos efectuados pelo FMI e que foram agora divulgados no seu relatório do Artº IV a que já nos referimos. Na página do relatório que divulgámos lá está ela escarrapachada.
A questão que se pode colocar é, portanto, como é que o FMI chegou até ela.

Estas taxas são o resultado de cálculos no âmbito da determinação das chamadas "contas nacionais" e que levam, nomeadamente, à determinação do Produto Interno Bruto (PIB) e de outros agregados.
Diz a teoria que há três perspectivas pelas quais se pode olhar para o mesmo "objecto" que é o PIB: a óptiva da produção propriamente dita --- tantas batatas, tanto café, tantos litros de tua mutin, etc ---, a do rendimento --- pressupõe-se que no acto de produção se geram salários, lucros, rendas e lucros --- e, finalmente, a óptica da despesa --- os rendimentos obtidos são gastos em "C" de consumo das famílias, "G" de consumo do Estado, "I" de investimento e "X" de exportações, sendo necessário "descontar" à soma de tudo isto as produções feitas no exterior, isto é "M" de importações.

Os documentos do Fundo não esclarecem que método foi utilizado --- o qual é mais ou menos indiferente porque todos eles deverão dar o mesmo resultado --- mas o mais provável é que tenha sido usado o método da despesa por ser aquele para que existem mais estatísticas disponíveis.
Mas a verdade é que seria bom se se soubesse mais sobre a forma como os cálculos foram efectuados, o que não é o caso. A maior transparência neste domínio ajudava a todos e contribuiria para minimizar os custos de debates mais ou menos estéreis.
Mas afinal, perguntará o leitor, o crescimento foi mesmo de 12% em 2008? É muito provável que, se não foi, tenha andado lá muito perto. Por isso e na falta de uma contabilidade nacional "alternativa" --- nomeadamente com origem no sistema estatístico nacional de Timor Leste mas, "apesar disso" independente por obedecer aos critérios internacionalmente estabelecidos ---, teremos de usar as estimativas do PIB elaboradas pelo Fundo e suas taxas de crescimento.
Fundo esse que não é infalível, apesar de muitos pensarem que sim. Daí a conveniência em, URGETEMENTE, o sistema estatístico nacional ser preparado para elaborar as Contas Nacionais. A presença, mais ou menos temporária, de um ou outro consultor internacional não resolve o problema.

Mas em que é que isto se liga à questão da pobreza? É que, naturalmente, ela só será reduzida se for possível manter um ritmo de crescimento elevado no país --- o que não significa que tenha de ser de 12% "sempre", já que tal se afigura quase impossível (embora os chineses nos tenham ensinado que os "impossíveis" são mais acima do que julgavamos...).
Mas com uma taxa de crescimento anual da população de 3,2% --- Ai Maromak!... --- é claro que uma redução significativa da taxa de pobreza só pode acontecer a partir de taxas de crescimento do prodtuto que não andem muito longe dos 7-8%. O que não é fácil...

Por fim, uma nota que mais que justifica o título desta 'entrada'. Vejo muita gente preocupada com a alegada subida da taxa de pobreza de 41% em 2001 para 50% em 2007, data do último inquérito à situação económico-social das famílias timorenses.
Não acompanhei de perto a realização deste inquérito mas pude acompanhar "quase por dentro" o de 2001. E já na ocasião fiquei com a ideia de que a taxa de 41% era uma subavaliação da realidade. O que faz com que, admitindo que tenha havido um agravamento da situação --- com os altos e baixos da situação económica e política entre 2001 e 2007 não admira que assim tenha acontecido ---, ele não terá sido tão grande como parece ao olhar para as taxas de pobreza divulgadas para um e outro ano.

Mas isso para mim não é o mais importante. O mais importante é que seja ela de 41% ou de 50%, tal não altera em quase nada a política económica que há que implementar. Pessoalmente a minha preocupação com o assunto não se altera nem um pouco --- embora não possa deixar de estar atento ao sentido, mais que ao valor absoluto, da mudança.

Finalmente (agora sim!) uma chamada de atenção para o facto de a maior percentagem de pobres se encontrar, como seria de esperar, no mundo rural. E aqui, há que reconhecer, está quase tudo --- ou, pelo menos, muuuuuuitooooo --- por fazer. Quem duvida que venha até às montanhas de Timor com olhos de ver... O "urban bias" tão conhecido desde que Michael Lipton falou dele há já tantos anos aí está aos olhos de todos.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Ainda o documento do FMI: o petróleo e o gás de Timor

Numa das páginas do relatório do Artº IV a que fazemos referência na 'entrada' anterior vê-se a seguinte "caixa de texto". Pelo seu interesse permitimo-nos deixar aqui a referida página, em que se pode ver um mapa com os locais de produção (actuais, como Bayu-Undan, ou previstos, como o Greater Sunrise) e um gráfico com a evolução previsível das receitas de exploração do petróleo e do gás (a maior riqueza até é de gás, já vendido para o Japão).


Note-se que o campo petrolífero em produção, Bayu-Undan, já atingiu o máximo da sua produção anual, indo a mesma decaindo ao longo do tempo até meados da década de '20.
Este "perfil de vida" do campo é o usual na indústria extractiva de petróleo: a produção máxima de um campo é atingida poucos anos (3-4) depois do início da exploração e esta tende a durar, no total, cerca de 20-25 anos.
Daí o ser necessário fazer uma reserva de recursos que prepare o país para o pós-petróleo. É essa a principal função do Fundo Petrolífero de Timor Leste, um "fundo soberanos" cujos activos são apenas de natureza financeira e, até ao momento, apenas em dólares americanos.
Ainda que se acredite haver alguns poços por descobrir no Mar de Timor, é muito possível que a vida útil total deles não ultrapasse os anos '40 ou '50 deste século. O que é já amanhã!...

PS - "Pequena" legenda para os mais leigos no assunto: a JPDA é a "Joint Petroleum Development Area" acordada entre Timor Leste a Austrália e que durará até que estas --- na verdade a Austrália --- decidam estabelecer um acordo sobre as fronteiras marítimas definitivas. Lá para 2055, mais ou menos.
A zona a amarelo no mapa corresponde às áreas sob total jurisdição timorense e cujos contratos de pesquisa (e futura e eventual exploração) já foram assinados (nomeadamente com a italiana ENI).
A zona a verde corresponde às áreas concessionadas da JPDA.

Como se pode verificar, o Greater Sunrise, a zona de exploração de que ainda se discute onde vai ser instalada a fábrica de liquefação do gás natural para permitir que ele seja transportado (para o Japão), está só parcialmente dentro da JPDA. Como as fronteiras definitivas naquela área poderão vir a ficar mais a oriente que o actual limite "à direita" da área de exploração conjunta, Timor Leste e a Austrália acordaram em que as receitas serão distribuídas igualmente entre os dois países, ao contrário do que acontece com Bayu-Undan, em que Timor recebe 90% dessas receitas.

terça-feira, 28 de julho de 2009

Análise do FMI sobre a economia de Timor Leste

O Fundo Monetário I nternacional acaba de publicar dois documentos elaborados no âmbito da análise da economia nacional levada a cabo pela missão do Fundo realizada recentemente (3-16 de Junho/09) ao abrigo do Artº IV dos seus Estatutos.
Pode ver os referidos documentos na página de Timor Leste no site do Fundo. Abaixo está cópia da página em que se sintetizam algumas das principais informações económicas sobre o país.

domingo, 19 de julho de 2009

Actualização sobre a taxa de inflação

A Direcção Nacional de Estatística do Ministério das Finanças acaba de divulgar o valor da taxa de inflação medida em Dili no mês de Junho passado (e a correcção do valor de Maio).
A taxa homóloga de Junho2009 (relativamente ao mesmo mês de 2008) é de -1,7% (isso! uma taxa negativa) e o valor corrigido para Maio é de -0,2% (em vez dos -0,3% divulgados anteriormente).

Compare-se o valor da taxa de inflação em Junho deste ano com a que se verificou no mesmo mês do ano passado: 11,6%.

Recordamos que o Índice de Preços no Consumidor determinado para a cidade de Dili (bem como o seu correspondente "nacional" que inclui a informação, rotativamente dentro de cada trimestre, da evolução dos preços nas cidades de Baucau, Maliana e Maubisse) se baseia num "cabaz de compras" determinado no final do ano de 2001 e que se encontra, por isso, algo desactualizado --- tanto mais que não inclui dados recolhidos em alguns dos principais supermercados da cidade e que servem, cada vez mais, não só a população de "internacionais" trabalhando em Timor Leste como também muitos timorenses que, dispondo agora de um poder de compra bem maior que no passado, consomem produtos neles vendidos ainda que em quantidades limitadas.

Repare-se que esta (muito significativa) queda da taxa de inflação num ano de importante aumento de Gastos Públicos remete para uma análise das causas da inflação em que os factores internos (incluindo o aumento dos Gastos Públicos) são relativamente pouco importantes quando comparados com os factores externos, como os preços de bens importados (combustíveis e outros).

Como já referimos noutro local, o preço do arroz importado pelo Governo não é tomado em consideração na determinação da taxa de inflação.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Evolução recente do preço do café no mercado internacional

A colheita de café este ano foi, como se esperava face à boa colheita do ano passado, relativamente fraca. O Ministério da Agricultura estima que seja menos cerca de 30% que no ano passado mas algumas pessoas que acompanham de perto esta cultura em Timor Leste chegam afalar em quebras de 50% ou mais.

Entretanto o mercado internacional do café tem conhecido uma evolução negativa nos últimos dias/semanas, particularmente quanto ao "arábica" (other mild arabicas), mais importante para Timor Leste, que viu o seu preço no mercado de Nova York descer de 160,25 cents/lb no início de Junho para 137,63 no fim do mesmo mês e para 133,75 cents/lb (1 kg = 2,2 lb).

Correspondendo a esta queda, terá havido uma queda de 1,5 USD/kg para cerca de 1,0 USD/kg no preço pago aos produtores em Timor Leste, uma quebra que parece ser maior que a do preço no mercado internacional.

A OIC (Organização Internacional do Café; www.ico.org) publicou recentemente o seu boletim mensal de Junho de que destacamos as duas primeiras páginas:


sábado, 11 de julho de 2009

Comunicado do FMI sobre a sua análise anual da economia de Timor



Uma nota final, quase um "Post Scriptum": a taxa de inflação para Março aqui indicada é de 2,7% mas a que resulta das estatísticas oficiais é de 4,2%, como se pode verificar na 'entrada' anterior. Explicação?

sexta-feira, 10 de julho de 2009

A taxa de inflação em Dili

Segundo números da "Estatística" de Timor Leste, a taxa de inflação homóloga de Maio passado (i.e., a variação de preços entre Maio de 2008 e Maio deste ano) foi... negativa (-0,3%)! Isto significa que, em média e em geral, os preços de todos os produtos que servem para calcular o Índice de Preços no Consumidor e, com ele, ataxa de inflação, terão diminuído cerca de 0,3% entre os meses de Maio dos dois anos referidos.

Naturalmente que esta evolução "em média e em geral" esconde variações diferenciadas de muitos produtos e grupos de produtos. Assim, por exemplo, os "transportes" terão diminuído 11,8% enquanto que a "carne e seus derivados" aumentou 13,1%. Os "cereais e seus derivados", individualmente o grupo d eprodutos com maior peso na estrutura de consumo dos timorenses (13,1% do total consumido em cada família), baixaram 9,1%.

Infelizmente não dispomos de dados suficentemente detalhados para distrinçar entre aquilo que poderemos designar como "inflação importada" (por via dos preços dos bens importados) e o que seria uma "inflação nacional" (dos produtos de origem quase exclusivamente nacional). No entanto, o facto de a taxa de inflação ter descido "acompanhando" a descida dos preços dos grupos "cereais" e "transportes" (onde preponderam o arroz e os combustíveis, respectivamente) dão uma ideia da importância que a inflação importada nem no processo da formação da inflação em Timor Leste.

Os registos da inflação verificada em cada mês ajudam a compreender melhor a tendência significativamente descendente da taxa de inflação verificada no país.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Execução orçamental do primeiro trimestre deste ano

A Direcção Geral do Tesouro divulgou os números da execução orçamental do primeiro trimestre de 2009. Veja abaixo alguns dos números publicados:

Note-se a frase final da imagem acima, em que se refere que as despesas efectivamente pagas por caixa representam 11% do total das despesas orçamentadas --- equivalentes a 76,6 milhões USD --- mas que se se adicionarem os compromissos e obrigações assumidos até agora relativos a subvenções (subsídios de vária natureza), bens e serviços e "capital menor", a taxa de execução passa a ser de 57% do orçamentado.

De notar igualmente o facto de, dos 589 milhões de USD que o governo está autorizado pelo Parlamento Nacional a levantar do Fundo Petrolífero, nenhum levantamento ter sido feito durante o primeiro trimestre.

Quanto às receitas é de salientar a baixa percentagem de receitas fiscais cobradas do comércio internacional (importações). Tal percentagem (6%) é explicada pelas baixas taxas alfandegárias actualmente praticadas. Note-se que em muitos países em desenvolvimento esta percentagem tende a ser maior devido à estrutura do seu sistema fiscal, em que os impostos sobre o comércio internacional tendem a ser mais importantes devido à facilidade do processo da sua cobrança.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

(Quase) suspensão temporária dos trabalhos...

Encontrando-me presentemente a desempenhar funções de consultor económico do "banco central" de Timor Leste, a Autoridade Bancária e de Pagamentos (ABP), não me parece ético debruçar-me aqui sobre questões da economia do país pois corro o risco de ser (mal) interpretado como transmitindo posições oficiosas (no mínimo...) da instituição a que estou (agora) ligado. O que NUNCA seria o caso.
Assim sendo, decidi "hibernar" o mais possível, limitando-me a, de quando em vez, dar sinal de vida com informações económicas que me parecem pertinentes mas sem tecer grandes comentários sobre elas. A não ser, por exemplo, nos casos de informações que não digam directamente respeito à economia do país ou, dizendo-o, sejam relativamente "neutras".

Por exemplo, registe-se aqui a grande queda que se espera este ano para a colheita do café em Timor Leste depois de, no ano passado, se ter verificado uma colheita boa. Um cultivador disse-me que espera colher cerca de 1 ton contra as 6 do ano passado. Outro informador diz-me que a queda, que é real, se deve situar, provavelmente, nos cerca de 50%, variando de região para região do país e dependendo da idade das plantas, com as mais velhas --- a maioria? --- a sofrerem a maior queda de produção.
Trata-se de um ciclo normal de colheitas boas e más a que não são estranhas alterações do clima provocadas, nestas paragens, pela sucessão de ciclos de "El Niño" e de "La Niña".

Esta queda da produção verificou-se também num dos principais produtores mundiais de "arabicas", a Colômbia, levando o preço destes cafés a aumentar significativamente (p.ex, em Maio de 2008 o preço do arábica da Colômbia estava a cerca de 3,16 USD/Kg no mercado de Nova York e em Maio passado esteve a 4,97 USD/kg.
O café robusta, por sua vez, baixou de preço (de 2,42 USD/Kg para 1,70 USD/kg no mesmo período).

Resultado: espera-se para este ano uma queda importante das receitas de exportação de café do país, dependendo a importância da queda do valor da evolução do preço que se verificar, particularmente do "arábica", o de melhor qualidade. Muitos produtores estarão a atrasar a venda do café que produziram na esperança de o preço, face à queda da produção, aumentar.