segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Determinantes da taxa de inflação

Em documento do banco central da Indonésia demos com o gráfico abaixo, que é uma boa síntese das diferentes ligações entre as variáveis que influenciam o nível de preços e, principalmente, a taxa de inflação.
Voltaremos ao tema mas o gráfico já dá uma ideia da complexidade das interelações existentes.
Procuraremos ilustrar alguns desses determinantes para o caso de Timor Leste.


Ver para crer...

Vocês acreditam que esta linda notinha de 1 dólar...


...se pode converter, em alguns meses de uso em Timor Leste, neste farrapo?!...


Se virem por aí notas neste mau estado não hesitem: façam um montinho e passem pela Autoridade Bancária e de Pagamentos de Timor-Leste e troquem-nas por notas novas ou por moedas de centavos...
E não se esqueçam que, a conselho das próprias autoridades americanas (Sistema de Reserva Federal) as notas de USD com as "caras pequenas", sejam elas de que valor forem (5 - 10 - 20 - 50 ou 100 USD), já não têm curso legal em Timor Leste (como, aliás, em muitos outros países), pelo que nem a ABP as aceita como forma de pagamento ou para simples troca por notas novas...

domingo, 30 de janeiro de 2011

Ainda as estatísticas monetárias

Uma outra informação que as estatísticas monetárias nos dão é o volume de depósitos do Estado junto do banco central, neste caso a Autoridade Bancária e de Pagamentos.


No gráfico acima figura a evolução desses depósitos (em milhões de USD) nos últimos três anos. Como se pode verificar, no último trimestre de 2010 houve uma subida significativa dos valores disponíveis na conta do Governo em resultado, principalmente, da transferência para esta de cerca de 475 milhões de USD provenientes do Fundo Petrolífero ao abrigo da autorização concedida pelo Parlamento para financiamento do OGE de 2010.
O saldo no final do ano era duplo da média depositada ao longo dos dozes meses anteriores ao referido trimestre, entre Outubro de 2009 e Setembro de 2010. O que alguns contestaram foi a disponibilidade na conta de uma verba tão grande, que se adivinha não vir a ser utilizada para os fins para que foram autorizados, o financiamento do OGE de 2010, mas sim, como se adivinha que virá a acontecer, para o financiamento do OGE de 2011.
Outros questionam também se a rentabilidade do referido dinheiro não seria maior se tivesse continuado depositado no Fundo Petrolífero em vez de numa conta do Governo junto do banco central, a ABP.
Numa altura em que se revê a Lei do Fundo Petrolífero talvez não seja má ideia clarificar no corpo da Lei soluções aceitáveis para este tipo de situações.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Evolução do crédito e dos depósitos no sistema bancário de Timor Leste

As estatísticas monetárias publicadas pela Autoridade Bancária e de Pagamentos são uma das principais fontes de dados de interesse sobre a economia do país, particularmente sobre o seu circuito monetário/financeiro.
Pela consulta das mesmas se pode verificar que desde meados de 2007 que os depósitos no sistema bancário do país têm vindo a crescer significativamente, tendo no ano de 2010 aumentado cerca de 12%: dos quase 260 milhões USD para os 292 milhões.

Por outro lado, o crédito ao sector privado (recorde-se que NÃO há em Timor crédito ao sector público pelo que a dívida deste é "0" --- zero!) tem mantido uma grande estabilidade ao longo do tempo, andando, em média, em torno dos 100 milhões de USD.
Se esta é uma tendência de longo prazo, a verdade é que no último ano ele cresceu cerca de 10 milhões de USD, cerca de 10% do total.

Temos, pois, que um dos "problemas" do nosso sistema bancário é, ao contrário do que se passa noutras paragens, um excesso de liquidez que não consegue ser absorvido pelos empréstimos concedidos, fazendo com que o stock de depósitos seja sensivelmente o triplo do do crédito.
Este "problema" estrutural significa, principalmente, que a economia não está em condições de utilizar produtivamente uma parte muito importante dos recursos de que dispõe. Isto deve-se a muitos factores mas para nós é evidente que, para além de alguns de natureza económica, os mais importantes são, pelo menos nesta fase, de natureza institucional. Estes, que não são necessariamente fáceis de resolver, são, no entanto, susceptíveis de serem minimizados de forma importante. Assim haja "o engenho e a arte" por parte dos legisladores para "deitarem abaixo" alguns dos "muros" que se levantam, nomeadamente quanto ao uso de garantias reais para os empréstimos e ao funcionamento do sistema de administração da justiça.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Taxa média anual de inflação em 2010: 6,8%

Na proposta de Orçamento Geral do Estado de 2011 agora em discussão no Parlamento Nacional prevê-se para 2010 uma taxa de inflação de 4%. Esta taxa é a mesma que o Fundo Monetário Internacional, no seu relatório anual sobre a economia de Timor Leste publicado em 2009, previa para vários anos. O que é uma maneira "simpática" de se dizer que não se dispõe de elementos para fazer projecções realísticas sobre aquela taxa.

Ora, a evolução do Índice de Preços no Consumidor (IPC) já fazia antever, há alguns meses atrás, que a taxa poderia vir a ser superior aos 4% mesmo se se mantivesse o ritmo de variação mensal dos preços verificada até então. Devido a alguma sazonalidade dos mesmos, porém, no final do ano eles tendem a subir mais rapidamente por diversas razões e em 2010 o fenómeno voltou a repetir-se. De facto, nos três últimos meses do ano as taxas mensais de variação dos preços foram de 0,4%, 0,8% e 2%, respectivamente.

Como resultado desta evolução, a taxa homóloga Dezº09-Dezº10 foi de 9,2%. Isto é, os preços em Dezembro de 2010 estiveram, em média, 9,2% acima dos preços em Dezembro do ano anterior.
Por sua vez, a média dos índices de preços de 2010 em Dili foi de 156,5 (base: Dez2001=100), quando em 2009 tinha sido de 146,6.
Assim sendo, a taxa média anual de inflação --- a taxa de variação entre aquelas médias dos índices --- foi de 6,8%, bem acima dos 4% que tinham sido estimados.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Parecer da Comissão C sobre o OGE

Da página na net do La'o Hamutuk retirámos o link de acesso ao parecer da Comissão C do Parlamento Nacional, a da área da Economia, sobre o OGE para 2011. (Quase) Sem comentários e com a devida vénia, aqui fica ele.

Permitimo-nos, no entanto, respigar aqui um parágrafo que nos mereceu especial atenção:

"15.a Transferência de Saldos:

Em 15 de Novembro de 2010, os levantamentos do Fundo do Petróleo totalizavam 450 milhões. Depois da apresentação da proposta do OGE de 2011 foi solicitada a transferência do restante que era de 361 milhões, totalizando 811 milhões.
Entende-se que esta iniciativa traduz-se numa má prática, tendo em conta o espírito em que foi constituído o Fundo do Petróleo, artigo 9.° da respectiva Lei. Se o Governo não teve capacidade para executar esse montante, não o deveria ter transferido. O Parlamento autorizou a transferência desse montante na perspectiva que o Governo o iria executar. Ora, não havendo esta capacidade, entende-se que o remanescente deveria ter ficado no Fundo Petrolífero, carecendo de nova autorização."

A prática do Governo não vai contra a letra da Lei do Fundo Petrolífero mas, como se diz acima, parece nítido que vai contra o seu espírito. Ora, uma lei não deve ser interpretada apenas pela sua redacção mas também pelo seu espírito, sendo que muitas vezes acontece que na redacção das leis há "buracos" que podem e devem ser colmatados pela compreensão do seu espírito.
Se a transferência do dinheiro do Fundo Petrolífero para a conta do Governo se destina ao financiamento das actividades desse  Governo a desenvolver em determinado ano fiscal, mal se compreende que sejam feitas transferências que não vão ser utilizadas para financiar tais actividades mas sim outras, de outro ano fiscal.
Num momento em que está em preparação a revisão da Lei do Fundo Petrolífero talvez seja conveniente introduzir nela uma norma que regule este tipo de situações, nomeadamente prevendo o regresso ao Fundo das verbas não utilizadas e exigindo que, apesar de genericamente autorizadas pelo Parlamento Nacional, os pedidos de transferência de verbas sejam explícitos quanto à previsão do seu uso efectivo.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

E se os funcionários públicos de Timor Leste fossem pagos em arroz?!...

Já há algum tempo que cismava fazer umas continhas sobre o salário real dos funcionários públicos de Timor Leste. Uma forma de o fazer é "descontar" os salários actuais usando a taxa de inflação e comparar com o que ganhavam há alguns anos atrás. Essas contas já foram feitas e antes dos aumentos salariais efectuados em 2008 os funcionários recebiam ainda pela tabela implementada pela ONU em 2000! Com salários "congelados" e preços a subir --- cerca de 50-60% entre 2000 e 2008 ---, a queda de salário real foi muito significativa naquele período. A alteração da tabela salarial mal chegou para repor o poder de compra entretanto perdido.

Lembro-me que na época da fixação dos salários pela ONU esta pretendia estabelecer um nível mais baixo do que veio a suceder em boa parte por pressão dos dirigentes timorenses na época. O argumento da ONU era o de que os salários não deveriam divergir muito dos então praticados na vizinha Indonésia (e outros países da região) sob pena de o país não ter competitividade externa para poder dedicar-se às exportações. O salário mais baixo que foi então fixado para a Função Pública --- e que serviu de norma para a fixação dos salários no sector privado --- foi de 85 USD/mês, correspondentes na época, utilizando a "thumb rule" de 1 USD = 10 mil rupias que então vigorava, a cerca de 850 mil ruias mensais, bem acima do praticado na casa do vizinho. O mais elevado foi fixado em 361 USD/mês.

Tabela salarial fixada pela Administração da ONU em 2000

Só muito mais tarde, em 2008, os salários foram alterados pelo Governo da RDTL. Nessa ocasião a tabela salarial passou a ser a seguinte:


Como se pode verificar, o salário mais baixo passou de 85 USD mensais para 115 USD e o salário inicial no escalão mais alto passou a ser de 510 USD por mês.

Experimentemos agora converter estes salários em quilos de arroz ao preço da respectiva época.
Em Janeiro de 2003, quando os salários mensais mais baixo e mais alto fixados na época eram 85 e 361 USD, o preço médio de cada quilo de arroz era de 0,35 USD (35 cêntimos). Isto significa que com aqueles salários se podiam comprar, respectivamente, 243 e 1031 quilos de arroz.
Se considerarmos que o preço do arroz ronda actualmente os 18 USD/saca de 35kgs isso significa que o preço por quilo é de cerca de 0,514 USD.
Ora, um salário de 115 USD/mês permite comprar 224 kgs, menos 19 kgs que o salário de 85 USD ao preço antigo do arroz (cerca de 12 USD/saca). O salário de 510 USD permite actualmente comprar apenas 992 kgs, menos 39 kgs que anteriormente.

Claro que estas são contas que SÓ SÃO VÁLIDAS PARA OS SALÁRIOS E PREÇOS DE ARROZ INDICADOS. Qualquer alteração de um e de outro leva a resultados diferentes.

Conclusão: o salário real de hoje, SE MEDIDO EM QUILOS DE ARROZ, não será muito diferente do que era há alguns anos atrás. E os que consideravam que a competitividade do país era reduzida, continuarão a considerá-la baixa, eventualmente dificultando o processo de maior industrialização (e crescimento da produção em geral) do país.

O processo de gestão orçamental de Timor Leste: uma análise pelo FMI

O Fundo Monetário Internacional publicou há poucos meses uma análise sobre o desempenho do sistema de gestão orçamental de Timor Leste. Pode obter este documento aqui.
As imagens abaixo são das 3 primeiras páginas do sumário executivo do documento. Este, como habitual na documentação do Fundo, está escrito em inglês .




Do texto, permita-se-nos realçar o que se poderá considerar a "moral da história":

"Overall, Timor-Leste has made solid progress in strengthening PFM systems in just a very few years. This PEFA assessment focuses on the PFM performance over the period 2007–10. An initial assessment led by the EC took place in 2007. Improvements were measured in 12 of the 29 applicable indicators. The improvements are often modest, but underpinned by real changes in work practices, legislation, and IT systems. Most notable are the gains made in the comprehensiveness of fiscal information, fiscal transparency, funding predictability, and timeliness and quality of bank reconciliation and financial statements.


Legislative scrutiny and the external audit process also improved somewhat. The assessment also reveals that on several indicators the 2007 PEFA assessment was overly positive on the outcomes. This leads to real accomplishments not being reflected in higher indicator scores.


Substantial weaknesses in the PFM system remain. The relative strengths of the MOF are diminished by gaps in the PFM system elsewhere. An independent, external auditor is missing, internal audit is almost non-existent, the budget coverage is incomplete, and budget planning and implementation capacity in line ministries are still weak. There has been some slippage in performance also, as this PEFA exercise shows, for example on orderliness of the budget process, development of sectoral investment strategies, multiyear budgeting, and procurement. While not measured directly, the dependence of the PFM system on foreign international experts is still large, and issues of integrity in procurement and tax administration remain a concern with regard to the overall effectiveness of the public administration." [ênfases nossas]