São conhecidos de todos as dificuldades com que se debatem os sistemas estatísticos de muitos dos países em desenvolvimento, particularmente nos primeiros anos da sua própria "infância". Timor Leste não é excepção.
Não foi ainda possível, por exemplo, calcular as chamadas Contas Nacionais pela entidade timorense com responsabilidades no sector estatístico, a Direcção Nacional de Estatísticas. A culpa é provavelmente mais dos "parceiros de desenvolvimento", que não conseguiram ainda responder satisfatoriamente aos esforços da DNE para resolver o problema, do que da própria "Estatística".
Esta tem-se esforçado para "atender a todos os fogos" mas, manifestamente, sem ajuda mais substancial não é possível "apagá-los".
Costumo dizer que as estatísticas são para um país --- e para as autoridades responsáveis pela sua gestão --- mais ou menos a mesma coisa que o estetoscópio para os médicos: sem elas não há como "auscultar" o "doente" e sem isso não é possível fazer um bom "diagnóstico" da situação do país e sem este, por sua vez, é impossível definir com precisão a "doença" e o "tratamento". Será constipação? Será gripe? Será malária? E se for dengue ou pneumonia?
Se há bom investimento a fazer num país é, pois, o da construção de um sistema estatístico de qualidade. Claro que a escassez de recursos humanos qualificados complica tudo --- como em tantos outros domínios --- mas é aqui que entra o recurso aos referidos "parceiros". Que têm de ser verdadeiros "parceiros", até mesmo "compinchas" para vários anos e não apenas para o curto prazo. É que hoje em dia a actividade estatística é tão complexa e sujeita a normas internacionais que dificilmente um país sózinho, com poucos recursos humanos, pode ter bons "estetoscópios" --- i.e., boas estatísticas.
Vem isto a propósito dos números que têm sido divulgados oficialmente sobre a evolução do Índice de Preços no Consumidor (IPC) de que deriva o cálculo da taxa de inflação.
Sabe-se que o actual IPC tem por base os valores (preços e quantidades médias consumidas por família) de Dezembro de 2001.
Ora, dizem as boas regras de cálculo do IPC que a quantidade média consumida por família --- que dá origem aos "pesos"/percentagens de consumo de cada produto ou grupo de produtos como, p.ex., a alimentação --- deve ser recalculada a cada 5 anos, nomeadamente através de inquéritos à estrutura das despesas familiares. Há mesmo técnicas que permitem fazer essa actualização uma vez por ano, procurando acompanhar de perto as (eventuais) alterações dos gostos (e possibilidades financeiras) de consumo das famílias.
Ora, no caso de Timor Leste isso não foi feito ainda. Deveria ter havido um inquérito em 2006 --- huummm! ano mau para estas coisas... --- ou pouco depois e não houve ou, pelo menos, se houve não foi ainda reflectido no cálculo do IPC.
Ora, sabe-se que desde o já "longínquo" ano de 2001 muita coisa mudou. Basta passar algum tempo à porta dos grandes supermercados que vendem produtos de melhor qualidade, normalmente oriundos da Austrália ou de Singapura, para perceber que os seus clientes não são já apenas, como eram naquela ocasião, os cidadãos "internacionais" trabalhando em Timor Leste.
Há, pois, que introduzir alterações nos "pesos" dos produtos consumidos e ela só pode ser feita após um inquérito apropriado e a definição de novos pontos de recolha de informação de preços para além dos mercados tradicionais de Dili (Bécora, Taibessi, Comoro) e mais alguns locais.
Isto é: é muito provável que a inflação esteja neste momento a ser medida com um "metro" que não tem necessariamente os habituais 100 centímetros. O pior é que não temos a certeza se ele tem 97 ou 104 (ou outros) centímetros.
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