quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Ainda sobre a revisão salarial na Função Pública... e outros

Referimos em 'entrada' anterior que nos parecia exagerada (e com riscos inflacionários desnecessários) a pretensão de corrigir num ano o que não se corrigiu em oito; isto é, de corrigir de uma só vez, neste ano de 2009, a perda de poder de compra dos salários da Função Pública tal como fixados em 2000 pela UNTAET.
Vejamos mais um ou outro comentário sobre alguns aspectos que chamaram particularmente a nossa atenção na revisão salarial que hoje começa a produzir efeitos (clicar na imagem para a aumentar).

A primeira coisa que nos chamou a atenção foi o facto de os Deputados, depois de terem sido aumentados já por este Governo há cerca de um ano para passarem a receber cerca de 1200 USD mensais (já com todos os subsídios a que têm direito), verem o seu rendimento (salário + subsídio de representação) passar para 2250 USD/mês (o equivalente a 187,5 sacas de arroz "do Governo". Provavelmente 10 anos de arroz para a família toda! Em cada mês!). Mais o pópó. Se atribuirmos a este um valor de cerca de 500 USD/mês, correspondentes a um "aluguer" de cerca de 1,70 USD/dia, temos um "rendimento" total de cerca de 2750 USD/mês (mais ou menos... 90 USD/dia).
Esta verba deve ser vista no contexto dos rendimentos de outras categorias de titulares de cargos de soberania e de funcionários públicos.
Para uma comparação com outros países tentei obter informação na internet mas, apesar de todos os apelos à transparência, é uma informação que não está facilmente acessível. A carteira é coisa que se coloca longe dos olhares de outros com "olho gordo" e não em cima do "aparador" da sala de jantar para todos verem... :-)

Curiosamente, encontrei normas sobre as remunerações dos deputados... em Macau. Diz a Lei 3/2000 (já aprovada pela Administração chinesa):

"Imprensa Oficial - Lei n.º 3/2000

Artigo 43.º - Remuneração dos Deputados
1. Os Deputados percebem mensalmente um vencimento correspondente a 25% do vencimento do Chefe do Executivo.
2. Por cada falta injustificada a qualquer reunião plenária é descontada, no vencimento mensal do Deputado faltoso, a importância de 1/15 desse vencimento.
3. Os Deputados que sejam membros de comissões têm direito a uma senha de presença, por cada dia de reuniões a que compareçam, de montante correspondente a 2,5% do seu vencimento mensal."

Independentemente do valor efectivo (em patacas), importa-nos aqui realçar a estrutura dos rendimentos: os deputados recebem um quarto do que recebe o Chefe do Executivo --- que, para os efeitos que nos interessam, podemos fazer equivaler ao Primeiro Ministro de Timor Leste.
Assim sendo e a aplicar-se a regra referida, a remuneração dos deputados timorenses deveria ser de cerca de 1125 USD/mês se integrarmos o subsídio de representação na remuneração do PM. Mais ou menos o mesmo que receberam até agora.
Mas há outras contas que se podem fazer: quanto "vale" um deputado relativamente a outras funções? "Vale" tanto como um Director-Geral? "Vale" mais do que ele? Ou "vale" sensivelmente o mesmo de um técnico superior no topo da carreira?
A acreditar na tabela salarial agora aprovada um deputado "vale" 3,4 técnicos superiores no topo da sua carreira e 2,6 vezes um Director-Geral. Valerá mesmo? A cada qual a sua resposta.
Se ela for negativa e se considerarmos, por exemplo, que um deputado deveria ganhar sensivelmente o mesmo de um Director-Geral, então o seu rendimento mensal máximo deveria ser de... 850 USD/mês. E se ele "valer" apenas o mesmo de um técnico superior no topo da carreira então deveria receber, no máximo, 663 USD/mês.
São este tipo de contas, que relacionam umas "carreiras" com outras, que podem (devem) ser feitas.

Um outro tipo de análise é o que se pode fazer dentro de uma mesma "carreira". Por exemplo, dentro da categoria dos técnicos superiores, qual a proporção entre o topo e o baixo da carreira? Isto ém qual a proporção entre as remunerações máxima e mínima?
Dados da Direcção Geral da Administração Pública de Portugal --- eu sei! pode nãos er o melhor exemplo mas é o que tenho à mão... --- dizem-nos que no caso destes técnicos a proporção é de cerca de 2,3. No pessoal administrativo a proporção é de apenas 1,7 e no do pessoal auxiliar, o nível mais baixo das remunerações na Função Pública, o rácio é de 2,1.
Arredondemos estes valores e fixemos, por hipótese, um rácio de 2 como bom (?) para a relação entre o salário mais alto e o mais baixo de uma mesma carreira. E qual é o rácio em Timor-Leste depois das últimas alterações da tabela de rendimentos?
No nível de rendimentos mais elevados, o nível "A", o rácio é de 1,3. No nível "G", o mais baixo, o rácio é de 1,2.
A cada qual as suas conclusões. Eu dei a cana de pesca... Agora pesquem... :-)

PS - voltando aos salários dos deputados. Uma leitura possível para o nível, aparentemente (demasiado?) elevado das suas remunerações pode ser a de que parte delas irá reverter a favor dos partidos políticos a que pertencem os deputados, sendo uma forma "disfarçada" de os financiar. Será este o caso de Timor Leste? Há muito boa gente que considera este procedimento absolutamente normal, se não mesmo legítimo. Afinal se não fosse o partido pelo qual o deputado foi eleito ele não o seria e não teria acesso (ou, pelo menos, vários deles) a tal nível de rendimentos. Mas isto é um bocado como a pescadinha de rabo na boca: quanto mais os governos aumentarem os salários dos deputados mais os partidos que o apoiam serão beneficiados. C'est la vie!...


Sem comentários: