quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Enquanto o bacalhau e as couves cozem...

... falemos de coisas sérias! :-)

Segundo tudo indica, o próximo ano vai ser mesmo "para esquecer". Ainda há uma semana o conhecido economista e comentarista económico Nouriel Roubini declarava, numa entrevista, que estava muito preocupado com a situação económica mundial, estando convencido que ainda não se "bateu no fundo", o que só acontecerá, muito provavelmente e na melhor das hipóteses, lá para os fins do próximo ano.
Não exclui, mesmo, a hipótese de a maioria dos países mais avançados economicamente virem a conhecer uma crise económica "L shaped" --- isto é, relativamente prolongada no tempo ---, à semelhança do que aconteceu ao Japão nos anos 90 do século passado, em que a taxa de crescimento anual da produção não andou longe dos cerca de 1% e em que a taxa de juro de referência esteve muito tempo nas redondezas de 0% (isso: zero por cento!).
Recorde-se que neste momento e no quadro da luta contra a crise financeira e económica desencadeada nos Estados Unidos, o "banco central" americano definiu como taxa-meta da sua actividade o intervalo 0-0,25%! Ito significa, na prática, emprestar dinheiro sem cobrar juros. Mais: como a taxa de inflação é superior a este valor, está-se a trabalhar com taxas de juro reais negativas (taxa real = taxa nominal - taxa de inflação).

Vem isto a propósito de quê? É que lembrei-me que 2009 é um ano decisivo para pensar na revisão da Lei do Fundo Petrolífero. E o que é que isso tem que ver com a evolução da taxa de juro? Muito! É que as três principais fontes de rendimento do Fundo são as receitas da exploração do petróleo e gás no Mar de Timor, os juros recebidos das aplicações financeiras do Fundo e a variação do preço dessas aplicações ao longo do tempo.

Quanto às "receitas" resultantes desta última é bom não esquecermos que, no fundo, elas são essencialmente contabilísticas já que a prática corrente do Fundo tem sido a de aplicar o dinheiro em títulos e depois esperar pela sua maturidade (isto é, pela data do resgate/pagamento/amortização pelo banco central americano). Ora esse resgate é feito ao valor facial e não ao valor de mercado do momento "x", "y" ou "z". Por isso, mesmo que os títulos num determinado momento tenham um valor de mercado mais alto que o seu valor facial isso só se reflecte, na esmagadora maioria dos casos, na contabilidade reportada ao dia "x", "y" ou "z" e não em receita concreta, em dinheiro "vivo", ele próprio reaplicável.

Sobram, como receitas, as do petróleo e do gás (impostos e royalties) e os juros (os rendimentos, o yield ) pagos pelo sistema de reserva federal pelo facto de Timor Leste estar a emprestar dinheiro aos Estados Unidos ao comprar os seus Títulos do Tesouro.

Quanto às primeiras, elas estão dependentes da evolução do preço do petróleo no mercado internacional. Noutra 'entrada', a propósito do OGE de 2009, já vimos que o preço médio de 60 USD/barril estimado naquele documento não pode, de forma alguma, ser considerado como pessimista ou, mesmo, "conservador"... Recorde-se que referimos aqui que há estimativas de que ele andará pelos 50 USD --- e já depois de esta ter sido feita ele já veio para baixo dos 40 USD/barril. Esperemos, desconfiando, que o preço médio do ano de 2009 se venha a situar, de facto, nos 60 USD/barril ou muito perto deste valor (pelo menos). Hoje o WTI estava nos 32 USD/barril.


"Sobram" os juros, o rendimento das aplicações feitas. Veja-se no gráfico abaixo o historial da evolução da taxa dos Títulos do Tesouro americano desde a independência de Timor Leste e, em particular, desde a criação do Fundo Petrolífero, em Setembro de 2005.


Embora a esmagadora maioria dos rendimentos do FP sejam das receitas petrolíferas directas, os juros, nomeadamente quando o capital começa a ter alguma relevância, começam a ser uma componente "interessante" das receitas. Só que, como se pode verificar, depois de terem andado nos cerca de 5% dirante quase um ano (de meados de 2006 a meados de 2007), as taxas caíram veriginosamente desde há um ano a esta parte. De tal forma que dos cerca de 5% se está hoje na taxa de cerca de 0,25% para o prazo de 6 meses.

Moral da história: o Fundo Petrolífero está a ser "vítima" de dois fortes "ataques" por via do preço do barril de petróleo e por via da queda da taxa de juro. O resultado só pode ser um ritmo muito mais lento de acumulação de recursos no futuro comparativamente com o passado recente.

Estas são duas fortes razões para desejarmos (aconselharmos? Quem somos nós para dar conselhos a alguém?!...) que a gestão do Fundo seja feita com o máximo cuidado para não comprometer demasiado a acumulação de recursos que possam vir a ser usados no futuro.
Note-se que não temos --- alguém, verdadeiramente, terá? --- uma visão "maniqueísta" da utilização dos dinheiros do Fundo. Até porque que melhor investimento poderá ser feito nas gerações futuras que proporcionar-lhes, já hoje, mais saúde e mais educação de modo a melhor contribuírem para o futuro do seu país quando chegar a sua vez de "pegarem no batente"?
Não acredito, pois, que quem fez a Lei do Fundo tivesse como herói o Tio Patinhas, que adorava "tomar banho" e rebolar-se nas suas moedas de ouro guardadas a sete chaves no cofre.
A questão, na época, é que o dinheiro que havia e se antevia vir a haver no futuro mais ou menos imediato mal dava para mandar cantar um cego... A evolução do preço internacional do petróleo é que veio "baralhar" tudo.
Assim sendo, acredito que muito do que o actual governo se propõe fazer com o dinheiro do Fundo tenderia a ser feito também por outro qualquer governo que dispusesse de recursos de montante semelhante. A diferença fundamental estaria na forma de olhar para o excedente ao rendimento sustentável. Um, o actual governo, é um bocado "destemido" nesse domínio (claro que o qualificativo é nosso); o governo anterior seria, provavelmente, menos "destemido".
Porém, sabendo-se que mesmo o actual governo tem dificuldade em gastar, de facto, o dinheiro do "rendimento sustentável" e que não chegou a usar o excedente que tinha solicitado, na prática haverá mesmo uma graaaaaande diferença (neste domínio e só neste)? Só vendo... Já agora: o argumento de que o governo não gastou o tal excedente por causa da decisão do Tribunal de Recurso não me convence. Pelo seu comportamento ao longo do tempo "estava na cara" que ele já tinha decidido não o usar... (pelo menos o do FEE).

Last, not least, vamos ao que é verdadeiramente o "meu ponto": na revisão da Lei separe-se completamente aquilo que é o que se poderá designar por "quadro geral" da mesma daquilo que é a estratégia de investimento.
Já na ocasião da elaboração da Lei alertei quem de direito para o disparate que me parecia ser misturar tudo no mesmo documento jurídico; pareceu-me disparate completo colocar num documento que só poderia ser revisto passados 5 anos coisas que têm a ver com critérios de gestão de fundos no contexto de um mercado financeiro internacional que é por natureza, como se tem demonstrado, extremamente volátil e, pior, um pouco dado a "voltas e reviravoltas" para as quais é necessário ter o suficiente "jogo de cintura", maleabilidade, para se adaptar aos altos e baixos dos mercados financeiros. Uma Lei que seria susceptível de ser revista apenas dentro de 5 anos era a antítese disto!
Deixe-se na Lei o que é da Lei e defina-se em documento próprio uma estratégia de aplicação de fundos que possa ser alterada não necessariamente a cada "espirro" do sistema financeiro internacional mas, pelo menos, sempre que se sinta que do "espirro" à "pneumonia" é um passo...
Há fundos que definem a sua estratégia para períodos de 3 a 5 anos com a possibilidade de ser alterado a meio ou, se necessário, quando se mostrar aconselhável mas sempre com a parcimónia que estas coisas também aconselham.

Oops!... Deixem-me ir ver se as couves já estão cozidas... :-) O bacalhau já está, com certeza!

PS - Já estavam cozidas, pois!... BOM NATAL para vocês aí!...

1 comentário:

Anónimo disse...

Escrever um artigo destes enquanto as couves cozem e obra.
Nao dar depois com as couves supercozidas e milagre.
Este ano dei ao bacalhau "a day off".A mariscada preencheu a vaga
e nao ficamos empantorrados.
O mesmo efeito esperamos desta crise economica.
Mas professor, explique-me la uma coisa.A gente trabalha paga taxas, os bancos chulam-nos, o governo chula-nos e, quando ha uma crise como a atual, os governos dao apoio financeiro aos bancos e demais sanguessugas e a gente viste-o.
O que que acha desta canalhada?

Boas Festas

Um abraco

Le Mau Dick