terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Questões de metodologia (não se assuste!...)

Temos estado a apresentar algumas das conclusões do relatório sobre a pobreza em Timor Leste recentemente publicado.
Já dissemos que os resultados destes inquéritos dependem bastante do momento em que são efectuados. Num país com uma evolução económica 'normal' --- whatever it means... --- podemos usar com menos preocupações os dados de vários inquéritos sequenciais para sintetizar o "filme" da evolução da situação entre dois momentos/"fotografias" mas quando essa evolução foi mais instável todos os cuidados são poucos na utilização dos números para a descrever.

Acresce que no caso dos dois inquéritos realizados em Timor (2001 e 2007) a dimensão das amostras é substancialmente diferente, podendo entender-se que o de 2001, por se ter baseado numa amostra menor, poderá ser considerado como (potencialmente) "menos bom" como "fotografia" que o de 2007.
Acompanhei de muito perto a realização do de 2001 e apesar de reconhecer o bom esforço então efectuado sempre fiquei com a sensação de que o nível de pobreza (vd abaixo sobre o conceito) era maior do que o que ele "mostrou". Quanto mais? Não sei mas eu diria que esse nível estaria, pelo menos, cerca de 6-10 pontos percentuais acima do que foi então determinado (cerca de 36%). A ser assim a divergência entre os valores de então e os actuais serão muito menores.

Mas há mais e, provavelmente, mais importante.
Um dos problemas metodológicos com estes inquéritos é o de que eles tentam determinar a "linha de pobreza" e a percentagem de pobres num país a partir do nível de consumo --- i.e., se as pessoas consomem mais ou menos que as 2100 calorias definidas (clinicamente) como limite depois de "traduzidas" em valores monetários.
Ora, quando na nossa linguagem corrente usamos as palavras "pobreza" ou "riqueza" estamos a pensar num STOCK de bens (dinheiro, terrenos, bens de vária natureza, galinhas, patos, karaus, etc) e não num FLUXO de consumo --- que é o que se mede com estes inquéritos.
Há, portanto, algum desfasamento entre a linguagem utilizada e a realidade que ela pretende descrever.
Daí que alguns possam estranhar que sejam, eventualmente, considerados como "pobres" pessoas/famílias que têm uma boa manada de karaus (obtida ou não, no todo ou em parte, no quadro das 'trocas e baldrocas' associadas aos dotes nos casamentos). Isto significa que algumas (quantas?) destas famílias podem ser consideradas como "pobres" porque consomem pouco apesar de serem "ricas" por terem um STOCK de bens, animais, etc considerável.
Coisas da metodologia dos inquéritos... Quem sugere uma melhor designação para quem está abaixo da linha de "pobreza" --- que, na verdade, é mais uma "linha de consumo mínimo para a sobrevivência com um mínimo de bem-estar físico" do que uma "linha de pobreza"?

Para terminar (por agora...): o conceito de "pobre" tem uma componente sociológica e até psico-social importante. Quer isto dizer que aqueles a quem chamamos "pobres" em resultado deste tipo de inquéritos podem não se ver a si próprios como tal. E, principalmente, podem não ser vistos como tal no seio das suas comunidades.
Por isso vejam lá se não se põem a chamar "pobre" a todo o cidadão que passe na estrada!... É que caras não vêm algibeiras...

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