O blog TLN respigou hoje para a sua primeira página uma série de comentários de vários leitores a propósito do programa de bolsas de estudo de estudantes timorenses estudarem no exterior.
O conjunto de comentários foi desencadeado por um sobre as condições que os timorenses que se encontram no Brasil defrontam e sobre a dificuldade em aproveitarem cabalmente o programa por motivos de vária natureza.
Um dos comentaristas, nitidamente pessoa bem por dentro do processo, dá um conjunto de informações que importa conhecer e por isso recomendo a sua leitura.
Estas conversas cruzadas fizeram-me recordar o passado da cooperação portuguesa com Timor nesta área e mais um ou outro aspecto que sintetizo nos pontos abaixo:
1- o primeiro grande programa de vinda de bolseiros para obterem licenciaturas em Portugal é do tempo do Primeiro Ministro António Guterres e do Ministro da Educação de Timor Pe. Filomeno Jacob. E, principalmente, é do tempo em que quer em Portugal quer em Timor muitas coisas eram resolvidas mais com o coração do que com a razão. Por isso só podia sair asneira, como saíu. Muita parra e pouca uva.
Do lado timorense e se bem interpretei alguns "sinais (daqueles) tempos", era talvez mais importante expor os alunos a um mundo totalmente novo e a uma "imersão total" na língua portuguesa do que propriamente os resultados académicos. É um critério... Que não deveria ser o principal mas que tem alguma lógica. E como ainda por cima era "à borlu"... (para Timor Leste, claro).
2 - Mais ou menos ao mesmo tempo e tendo os mesmos "actores" foi lançado o programa do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) através do seu "braço armado" FUP. Estive muito ligado ao lançamento desse programa em termos de definição, num esforço de cooperação entre várias faculdades portuguesas, do programa de estudos na área da Economia e da Gestão. Ele previa que essa cooperação passasse pela presença em Dili de docentes universitários portugueses durante um semestre completo a fim de lecionarem as aulas em português e de desenvolverem trabalho de cooperação com os colegas timorenses que leccionavam o curso "normal", em indonésio.
Porque se estava já a meio do ano lectivo em Portugal e muitas Escolas tinham o seu serviço docente para o ano seguinte já distribuído era difícil, no entanto, que logo no primeiro ano se conseguissem destacar professores para estarem "a tempo inteiro" em Dili e por isso surgiu a ideia de, PROVISORIAMENTE E APENAS APRA O ANO LECTIVO SEGUINTE, se optar pela SOLUÇÃO DE RECURSO de enviar docentes por períodos de apenas dois meses, adoptando-se nos anos subequentes a prática "normal" de enviar docentes por um semestre inteiro.
Em algum momento do circuito de decisão, da responsabilidade do CRUP e da FUP, aquilo que foi sugerido como solução temporária, apenas para um ano lectivo, acabou por ser encarado como solução definitiva.
E assim passámos a ter em Dili cursos "da FUP" funcionando por ciclos de 2 meses. O que, à partida, é pedagogicamente inconcebível pois os alunos --- nem os timorenses nem os portugueses nem nenhum --- não têm capacidade para se "embrenharem" nas matérias e digeri-las em tão curto espaço de tempo. E com as deficiências de formação base daqueles alunos concretos, pior ainda...
Mais, em parte devido a este modelo (errado) a possibilidade de cooperação (científico-pedagógica) com os colegas timorenses ficou "morta de morte matada" logo à partida.
Fazendo de uma história longa que eu costumo designar por de "custos públicos portugueses para benefícios privados (de alguns estudantes) timorenses", finalmente ter-se-á chegado à conclusão que este era um modelo com os dias contados e, ao mesmo tempo que se "descontinuavam" alguns dos cursos então em funcionamento, passou a privilegiar-se, como já o deveria ter sido há alguns anos atrás, o financiamento da vinda de docentes timorenses para fazerem estudos pós-graduados (incluindo mestrados) em Portugal. É assim que no ano passado vieram 9 e este ano, e salvo erro, mais 10. Estamos no bom caminho. Mais ou menos...
Porquê as reticências? Porque, pelo contacto que tenho tido com colegas timorenses, fico com a impressão de que seria, provavelmente, mais importante que, pelo menos durante um primeiro ano, eles viessem para estudarem matérias de licenciatura E (muito importante) serem integrados em equipas docentes de colegas portugueses de modo a se prepararem científica e pedagogicamente para a docência no momento do seu regresso a Timor Leste. O facto de se integrarem em equipas docentes que, de uma forma geral, já têm "a papinha toda feita" (ou estar a "cozinhá-la") em termos de aulas a leccionar seria uma contribuição importantíssima para a melhoria, a prazo, da qualidade do ensino na UNTiL.
Adiante.
3 - Regressemos ao programa de bolsas de Timor Leste. Graças aos recursos financeiros agora disponíveis no país e à capacidade de decisão do Ministro João Câncio Freitas, foi iniciado um ambicioso processo de selecção de estudantes timorenses para enviar algumas centenas para estudarem no exterior a fim de obterem graus de Mestre e, eventualmente e no futuro, de Doutor.
Foi uma decisão corajosa e de aplaudir mas...
Porque tem de haver sempre um "mas"? Este prende-se com a sustentabilidade desta política no futuro.
E se, como parece que está a acontecer, os recursos anuais com origem no petróleo baixarem e isso afectar significativamente o Orçamento Geral do Estado? E se? E se?
Se isso vier a acontecer terá o Estado timorense capacidade para suportar a estada no exterior de algumas centenas de estudantes? E se não tiver o que vai fazer? Tentar aguentar a situação e rezar a Maromak para que os estudantes acabem rapidamente os cursos e regressem ao país?
E, questão importante, o que fazer com as expectativas dos estudantes que só no próximo ano ou dentro de 2-3 anos ou mais estiverem em condições de beneficiar de uma bolsa? "Cortam-lhes" as pernas e não abrem mais concursos para bolsas? Qual a justiça "intergeracional" se uns puderem ir e outros não puderem ou se num ano forem 400 e noutro ano apenas 40? Isto é: será que na decisão tomada foi tida em devida conta a possibilidade de, no médio-longo prazo, a capacidade do país em sustentar um tal programa se alterar?
Espero que sim mas temo que não...
4 - Finalmente mas não menos importante, das declarações do Ministro aquando de uma sua estada em Portugal ficou-me a impressão de que as condições de os timorenses obterem uma bolsa para virem para cá estudarem eram mais gravosas do que para irem para outros países, nomeadamente por exigirem que os alunos tivessem médias de 14 para frequentar o Mestrado entre nós.
Acontece que embora a Lei portuguesa preveja este limite, a verdade é que prevê também "portas do cavalo" que permitem que os alunos os frequentem com médias inferiores. A situação actual, na sequência das reformas de Bolonha, faz esta exigência ser ainda menos lógica. E se ela não o é para estuantes portugueses porque o será para estudantes timorenses quando se sabe que, à partida, a sua preparação de base é, em muitos casos, bem pior que a dos estudantes portugueses?
Não quero aqui defender que se adopte como principal o critério que foi aplicado em tempos e a que nos referimos acima --- o de permitir uma maior "imersão" num ambiente em que a língua portuguesa é a ferramenta do dia a dia --- mas também creio que ele não deve ser, pura e simplesmente, remetido para o lixo da História. Principalmente se se quiser que ela seja o "cimento" do Futuro.
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