terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Da Lei do Fundo aos Orçamentos de Estado

Na ocasião da elaboração da Lei do Fundo Petrolífero fiquei com "a pulga atrás da orelha" em relação a algumas das suas disposições.
Uma delas, que já tenho referido, é o facto de ela definir normas quanto ao investimento dos recursos financeiros que não deveriam lá estar, antes devendo constar de um documento autónomo sobre política de investimento com regras susceptíveis de serem alteradas com maior rapidez se as condições do mercado financeiro internacional assim aconselhassem. Esperar cinco anos para as alterar poderia ser perigoso para a correcta gestão dos fundos disponíveis e a maximização do seu rendimento.

Uma outra norma com que não estive de acordo --- ou, melhor, uma "não-norma" --- foi a de não se dar uma ideia mais precisa das utilizações de recursos que pudessem ser entendidos facilmente como correspondendo aos interesses de longo prazo de Timor e das gerações futuras do país.
Lembro-me de na época ter feito uma pesquisa sobre os regulamentos de outros Fundos congéneres e ter deparado com os do Fundo do Chade, um país da África Central. Fui "repescar" o documento e vai abaixo cópia da parte relevante dele (clicar para aumentar a imagem):

Este documento levanta várias questões na sua comparação com a Lei do Fundo Petrolífero mas não é agora o tempo de ir mais a fundo na análise das mesmas. Gostaria apenas de salientar que, ao contrário do que acontece na legislação timorense, nesta se especificam claramente os sectores prioritários para aplicação dos recursos e diz-se que 80% das despesas a suportar pelo Fundo do Chade deveriam ser desse tipo.
Claro que isto "ata" significativamente as mãos do governo mas esse era, em parte, o objectivo, não o deixando, por exemplo, gastar o dinheiro em armas e outras "inutilidades" (pópós caros para os deputados, etc). Pode-se discutir se os 80% serão a percentagem mais aconselhável mas parece-me que deveria haver uma qualquer norma quantitativa de orientação da aplicação dos recursos.

Mas a razão fundamental para ter ido buscar estas informações prende-se com o potencial (e não só...) conflito que pode surgir (em Timor Leste) na definição de como utilizar os rendimentos do Fundo na parte que exceder o "rendimento sustentável".
Da forma como a Lei está redigida parece que o legislador quis deixar as mãos livres ao Governo (este ou outro) no que toca ao tipo de despesas a pagar com o "rendimento sustentável" mas "atar" as mãos ao Governo quanto ao recurso a verbas que o excedessem.
Desde logo uma coisa parece evidente: na "economia" da Lei, esse recurso deve ser excepcional e não entendido como uma prática corrente. Mais: as verbas "excedentárias" devem ser consideradas como "sendo no interesse de Timor Leste a longo prazo". Isto é: PARECE apontar-se para a utilização dessas verbas apenas em despesas "de desenvolvimento" --- sejam elas em capital físico (nomeadamente infraestruturas), em capital humano ou outras do mesmo tipo. Tudo despesas, "penso eu de que", correspondem às "prioritárias" explicitadas na legislação tchadiana.
E aqui pergunto-me: porque não se explicitou que tipo de despesas poderiam ser financiadas --- pelo menos pelo "excedente" ao "rendimento sustentável"? Teria sido preferível e evitava uma discussão bizantina sobre que despesas cumprem esta exigência do "interesse de longo prazo" e quais as que não o cumprem.

Dito isto --- e a conversa já vai longa mas tinha ser assim... ---, fica uma última nota: o documento em que o Governo justifica a necessidade de utilizar os recursos excedentários ao "rendimento sustentável"... "sabe-me a pouco"...
Preferia, embora na verdade a Lei não o exija, que fossem identificadas explicitamente as despesas (de desenvolvimento/investimento) que iriam ser financiadas com tais recursos. Por exemplo, dizer que esse dinheiro era para financiar as centrais eléctricas e/ou para financiar um arrojado plano de construções escolares e/ou para fazer do Hospital Guido Valadares um hospital "a sério". Whatever!...
Creio, pois, que seria mais evidente aquele "interesse de longo prazo" se fosse explícita uma determinada afectação --- irrita-me o anglicismo 'alocação'... :-) --- de recursos a determinadas obras: "x" para isto, "y" para aquilo", "z" para aqueloutro. A não ser concedido esse financiamento as obras ficariam apenas no tinteiro... por uns anos.
Tal como está, justificando a necessidade com "generalidades"... parece-me pouco... Mas daí não vem nenhum mal ao Mundo. O pior é que outros também podem achar... Como aparentemente já acharam...

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