É, sem dúvida, uma das "imagens de marca" deste Orçamento: a partir de 1 de Janeiro entra em funcionamento a nova grelha de remunerações da Função Pública, para financiamento da qual o Governo orçamentou 91,4 milhões USD, mais 81% que os 50,3 milhões de 2008.
A tabela anterior, oficialmente ainda hoje em vigor, data de 2000 e foi aprovada pela UNTAET na sequência de alguma negociação com os dirigentes timorenses. Note-se, porém, que hoje há alguns subsídios (nomeadamente em espécie, em arroz), que fazem o salário mínimo "de facto" aumentar para os cerca de 100 a 110 USD/mês.
Lembro que na época a ONU queria fixar salários mais baixos, em linha com os praticados na vizinha Indonésia ou pouco mais, e que os dirigentes timorenses fizeram pressão para que fossem fixados salários mais elevados. O argumento principal da ONU era o de que, uma vez que os salários da Função Pública acabam por servir de "norma" para o sector privado, fixar salários mais altos que os da Indonésia comprometia a competitividade externa do país. O salário mais baixo então fixado foi de 85 USD, que se mantém até hoje.
Na nova tabela salarial (a que foram acrescentados escalões, até agora inexistentes), o salário mais baixo é de 115 USD/mês, o que representa um aumento de 35% no salário nominal. Lembre-se, contudo, que a taxa de inflação desde aquela época ultrapassou largamente os 50%.
É a simultânea introdução do sistema de escalões que ajuda a "empurrar" a massa salarial para mais 80% que anteriormente e a fazer com que a maioria dos trabalhadores venha a ter ganhos reais nos seus rendimentos.
Tal aumento parece-me, sinceramente, um exagero e que não tem em conta, como não tiveram outras medidas no passado recente, dois dos efeitos quase inevitáveis e para os quais o país está "desarmado" em termos de capacidade de controlo: o aumento das pressões inflacionistas e das importações.
Não está em causa a justeza dos aumentos, particularmente se tivermos em consideração que parte importante deles são apenas para cobrir a perda de poder de compra real que os trabalhadores suportaram desde 2000. O ganho "real" é capaz de não ultrapassar os cerca de 10%. Só que...
Os ganhos reais têm ter "cobertura" por ganhos de produtividade e não sei se ela terá aumentado significativamente.
Mais e mais importante: a decisão sobre os aumentos salariais não podia deixar de ter em consideração aqueles dois efeitos referidos sobre os preços e sobre as importações.
Assim sendo, manda a prudência que a recuperação do poder de compra se fizesse não em um ano, como se vai fazer, mas num período mais alargado; por exemplo 3 anos. Assim se diluiria no tempo o aumento da procura que se vai verificar, reduzindo a pressão sobre a taxa de inflação que não deixará de provocar. Assim, também, se reduziria o impacto sobre as importações, dando mais tempo à economia para se adaptar ao novo nível salarial através, nomeadamente, do aumento da oferta interna.
Por fim mas não por último, se é verdade que a tabela salarial da Função Pública serve, na maior parte dos países em desenvolvimento (e não só) de "norma" para o sector privado, como é que este vai reagir? Terá capacidade de suportar aumentos tão grandes dos encargos salariais? E os investidores? Como reagirão a este "murro no estômago"?
Tantas perguntas... Alguém as fez na altura própria? Huummmm!...
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