Está em discussão na Comissão "C" do Parlamento Nacional --- a que analisa os assuntos económicos --- uma Proposta de Lei do Governo sobre Orçamento e Gestão Financeira [do Estado].
Convidado pelo Presidente da referida Comissão, o deputado Dr. Manuel Tilman, tive a ocasião de participar numa conferência organizada para debater vários aspectos da Proposta de Lei, tendo-me cabido falar, a título meramente individual e não em representação de mais ninguém para além de mim próprio, sobre vários mecanismos de financiamento do desenvolvimento do país e, em particular, de financiamento do Estado (e das suas despesas de desenvolvimento).
Um desses mecanismos, vedado legalmente até agora pela legislação em vigor e que data do tempo da UNTAET, é o recurso, pelo Estado, ao crédito, seja ele nacional ou internacional --- com a consequente criação de dívida interna, num caso, ou externa, noutro.
O acesso ao crédito interno pode ser feito, teorica e principalmente, de três formas: endividamento perante o Banco Central do país; idem mas em relação à banca comercial; e, muito importante em muitos casos, por recurso ao público em geral (incluindo a banca ou outros investidores) através da emissão de Títulos do Tesouro.
O recurso ao crédito pelo banco central está, hoje em dia, vedado na maioria dos países pois isso corresponderia a colocar "a impressora de notas a trabalhar", criando-se assim moeda que, quase inevitavelmente, iria provocar, por excesso de "oferta de moeda", subida dos preços (inflação) e perda de valor da moeda nacional (depreciação) --- quando há muitos ananazes o seu preço no mercado baixa... Sendo a moeda um "produto" como os ananazes, o seu "preço" face a outras moedas também tenderá a descer quando a sua quantidade em circulação aumenta --- isto é, a taxa de câmbio da moeda nacional (nos países que a têm) tenderá a depreciar-se.
Por isso o recurso ao crédito do banco central é hoje proibido segundo os estatutos da esmagadora maioria dos bancos centrais.
E o que dizer quanto ao financiamento junto da banca comercial nacional? No caso de Timor-Leste isso provocaria, quase inevitavelmente e porque os pedidos de financiamento do Estado tenderiam a ser volumosos, uma diminuição do dinheiro disponível para financiar o sector privado. O Estado "empurraria para fora" (
crowd out) do sistema de crédito muitos investidores privados já que a banca nacional poderia não ter recursos suficientes para emprestar ao Estado (muito) e aos privados (um pouco a cada um).
O financiamento do Estado correria, assim, o risco de "secar" a fonte de desenvolvimento do sector privado, o crédito, tenendo este sector como que a "definhar" face a um Estado "glutão" e "absorvente" de muitos dos recursos financeiros disponíveis no país. O Estado "incharia" em parte à custa do "definhar" do sector privado". O que, como é óbvio, é de evitar a todo o custo.
Claro que o recurso ao endividamento directo junto dos particulares através da emissão de Títulos de Tesouro vendidos principalmente no mercado interno teria um efeito menor do que o anterior mas que, no limite, poderia fazer também alguma "mossa" na disponibilidade de recursos para o desenvolvimento do sector privado.
O Estado poderá, em alternativa a estas fontes de financiamento, recorrer à colocação de empréstimos representados por Títulos do Tesouro no mercado internacional --- adiminto que seria realista fazê-lo nas circunstâncias de Timor Leste ---, ou contrair empréstimos que poderiam ser ou do tipo meramente comercial ou, como acontece em tantos outros países pobres e em desenvolvimento, "empréstimos concessionais".
Estes caracterizam-se essencialmente por serem empréstimos contraídos junto de organizações financeiras internacionais --- ex: Banco Mundial, Banco Asiático de Desenvolvimento (ADB) --- ou de alguns Fundos existentes --- caso, por exemplo, do conhecido Fundo do Kuwait.
Estas organizações, por não terem como objectivo principal o lucro e a sua maximização, podem conceder empréstimos com condições muito favoráveis. O Banco Mundial, por exemplo, cobra apenas 0,75% de taxa de juro. Um empréstimo recente do ADB ao Kazaquistão prevê uma amortização em 35 anos com um "período de carência" --- isto é, um período em que só se pagam juros e não se amortiza capital --- de 10 anos.
Suponha-se, por exemplo, que um país pretende aumentar a capacidade do seu aeroporto porque quer apostar no desenvolvimento do sector do turismo. Um "empréstimo concessional" do tipo referido permite-lhe fazer as obras e só quando se começar a verificar efectivamente um aumento do movimento de aviões e passageiros é que, com as receitas das várias taxas cobradas, irá começar a amortizar o empréstimo contraído (até aí pagou apenas os juros, uma importância muito mais reduzida e "suportável" pelo Orçamento sem grande esforço).
Claro que contrair um empréstimo, mesmo que seja "concessional", é assumir um encargo que tem de ser cumprido e por isso é ESSENCIAL que o dinheiro do empréstimo seja bem aplicado.
Note-se que desse empréstimo fará parte uma verba, por vezes não pequena, para pagar assistência técnica ligada à implementação do projecto que o empréstimo irá financiar. Essa ajuda pode ser essencial, também ela, para garantir que os recursos são bem utilizados, sem desperdícios de maior --- sejam eles de natureza legal ou ilegal (não sei se me faço entender...).
Não há, no entanto, que ter medo de criar dívida externa DESDE QUE SEJA ASSEGURADA A EFICÁCIA DOS INVESTIMENTOS A FINANCIAR POR ELA. Quantos de nós não tem dívidas perante um banco ou um particular pois essa foi a única maneira de construirmos a nossa própria casa ou iniciarmos o negócio em que nos lançámos?!...
Pessoalmente creio mesmo que Timor Leste já poderia, há alguns anos, ter contraído alguns empréstimos deste tipo (para reconstruir estradas, usar apropriadamente as suas fontes de energia, financiar projectos de desenvolvimento rural, etc) . Mas também compreendo que, face às dificuldades de execução do Orçamento e, em particular, da componente de "capital de desenvolvimento", os governos tenham tido receio de contrair empréstimos que iriam "apenas" engrossar a lista de projectos não executados --- mas que teriam de ser pagos.
Finalmente, uma nota suplementar sobre as relações desta questão com o Fundo Petrolífero.
O problema do financiamento do Estado tem de ser visto no seu conjunto e não separadamente, segundo as diversas fontes possíveis de financiamento. Por exemplo, pode perfeitamente chegar-se à conclusão de que é económica e financeiramente mais racional pedir empréstimos "concessionais" em que se paga 1% de encargos do que "perder" 3% de retorno nos investimentos do Fundo Petrolífero. Isto quer dizer também que pode ser mais racional criar alguma (e em volume sob controlo) dívida externa do tipo da referida do que aumentar o limite de recursos a extrair anualmente do Fundo Petrolífero.
Repare-se que não estou a a dizer que É forçosamente assim; estou apenas a alertar para a necessidade de o processo do financiamento do Estado --- e particularmente das suas despesas em desenvolvimento --- serem vistas no seu conjunto e face a estragégias alternativas ou complementares de financiamento. E, já agora, que se tenha em consideração que o dinheiro dos empréstimos está "associado" à realização de um projecto concreto de desenvolvimento e não ao financimento "genérico" do OGE (como é o caso dos recursos transferidos do FP) e, por isso, susceptíveis de serem aplicados com menor eficácia.