quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Ainda a questão dos empréstimos e da dívida externa

Há cerca de 2 semanas abordámos aqui a questão do financiamento da actividade do Estado através de empréstimos externos (concessionais).

Chamámos também a atenção para o facto de um dos principais indicadores utilizados para medir a capacidade de endividamento de um país é o rácio entre o chamado "serviço da dívida" (a soma dos juros e das amortizações pagas durante um ano) e as receitas de exportações em bens e serviços do país.

Na sua recente actualização dos dados do Asian Economic Outlook o Banco Asiático de Desenvolvimento divulga informaçãoes sobre esse rácio para quase todos os países asiáticos. A imagem abaixo refere-se a alguns países do Sudeste Asiático, região em que se insere Timor Leste.
Como se pode verificar, o valor do rácio varia significativamente de país para país e, em alguns casos, ao longo do tempo em cada país.
Parece evidente que não há um "padrão" comum que possa servir de orientação para o valor do rácio de Timor Leste se ele optar por contrair empréstimos externos e, pela primeira vez desde a sua independência, criar dívida externa.
No entanto, é também evidente que os países da região têm, nomeadamente nos últimos anos, visto baixar o valor de tal rácio, que se situa actualmente entre os cerca de 5% da Malásia --- historiamente e devido às suas potencialidade económicas, o país menos dependente de financiamento externo --- e os cerca de 15% das Filipinas. Na década de '80 do século passado, quando os problemas da dívida foram mais prementes em vários países (ex: da América Latina), o serviço da dívida representou na Ásia Oriental cerca de 27% das exportações.

Uma nota muito importante: no caso de Timor Leste o cálculo de tal rácio não será o mais indicado. De facto, é sabido que as exportações NÃO PETROLÍFERAS do país são relativamente reduzidas, mal chegando aos 10 milhões de USD em média anual dos últimos anos. Isto significa que um rácio de 10%, por exemplo, seria atingível com um serviço de dívida de cerca de 1 milhão de USD anuais.

Considerando que o país tem anualmente importantes receitas da exploração de petróleo no Mar de Timor, fará mais sentido que o rácio seja calculado utilizando, no limite, o somatório das receitas de exportações de bens e serviços e o "rendimento sustentável" obtido das receitas petrolíferas do país --- isto se se mantiver a política de preservar o diferencial entre este as receitas petrolíferas globais para acumulação no Fundo Petrolífero.

sábado, 26 de setembro de 2009

É preciso estudar, estudar e só depois decidir... Sobre a moeda em Timor Leste

Mão amiga chamou a minha atenção para a recente publicação, num organismo dependente do PNUD e com sede no Brasil, para um texto de Rui Gomes e outro colega sobre a necessidade de existência de uma política monetária --- o que exige a existência de moeda nacional própria --- para complementar a actual disponibilidade em Timor Leste de apenas uma grande família de políticas: a orçamental.
A justificação para a emissão de moeda própria é como segue:

"If macroeconomic stability is the overriding objective of fiscal policy, how is the MDG challenge to be tackled? A zealous anti-inflation policy will be socially counterproductive. The answer may lie in adopting monetary policy, which implies Timor-Leste having its own currency. This might resolve the trade-off between macroeconomic stability and poverty reduction."

A publicação deste texto parece ter "aberto a época" para uma discussão pública do tema mas, pelo menos por agora, não participarei nessse debate.
Só espero que qualquer discussão sobre o tema seja devidamente fundamentada com todos os "prós" e "contras" a adopção de moeda própria no país. A opinião do FMI, por exemplo, parece evidente e completamente contrária ao que agora é proposto. Citando o próprio documento de RG que cita um press release recente do Fundo, "The [...] staff “welcome the authorities’ intention to reduce the spending envelope in the 2010 budget … and support the maintenance of the current monetary and exchange rate regime to preserve macroeconomic stability” ["Os técnicos do Fundo saudam a intenção das autoridades de reduzirem o montante global dos gastos públicos no Orçamento de 2010 (...) e apoiam a decisão de manter os actuais regimes monetário e cambial [i.e., manter o uso do USDollar] para manter a estabilidade macroeconómica"].

Como referi, qualquer discussão sobre o tema e, principalmente, qualquer decisão sobre ele tem de ser devidamente fundamentado. O que não é, nem de perto nem de longe, o caso do documento de RG acima referido.
Dê-se tempo a especialistas no assunto para o estudarem, re-estudarem e depois haja alguém que decida. Tudo o que se disser sobre o tema antes de tais estudos serem efectuados é "lançar a confusão nas hostes" e eventualmente pressionar no sentido de uma decisão insuficentemente fundamentada. O que é mau. É, mesmo, muito mau! É que se há coisa com que não se "brinca" é com o sitema monetário-financeiro. A realidade dos últimos anos na economia mundial aí está para o demonstrar (e precisava?!...).

Post Scriptum [em véspera de eleições em Portugal e em dia de reflexão entendi que não era apropriado escrever "PS"... :-) ]: Rui Gomes, o autor do texto acima citado, é um distinto economista timorense, um dos poucos doutorados em Economia (em Inglaterra) e... um dos meus melhores amigos em Timor. Isso, claro, não impede de termos as nossas diferençazitas de opinião... :-) Um grande abraço, Rui!

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Voltando atrás, ao "Doing Business"

Há cerca de uma semana apresentámos aqui o relatório Doing Business 2010, incluindo a informação específica sobre Timor Leste.
Chamámos então a atenção para o facto de o país ter subido vários lugares na classificação quanto à facilidade de exercício da actividade empresarial privada graças, particularmente, ao "salto" que deu no domínio da cobrança de impostos como consequência da revisão (em baixa) das taxas a partir de 1 de Julho de 2008.

Uma análise deste tipo de documentos precisa, em primeiro lugar, que se compreenda qual o contexto ideológico em que se insere e, mesmo, qual o contexto teórico.

Quanto ao primeiro, é evidente que o que está em causa é uma certa visão mais ou menos (mais mais que menos...) liberal do capitalismo e que segue muito de perto aquilo que é a tradição "ocidental" --- eu restringiria mesmo a "americana"... --- do papel do sector privado na economia.
É mais ou menos evidente para todos que este modelo não tem, necessariamente, de se "encaixar" nem nos objectivos de todos os países nem na tradição de alguns deles. Os países de maior sucesso económico na Ásia Oriental, por exemplo, não alcançaram o seu actual estádio de desenvolvimento por essa via --- embora neste momento se aproximem dela, o que pode querer dizer (e para muitos --- incluindo nós próprios --- isto é verdade) que a lógica subjacente aos relatórios sobre Doing Business pode ser útil a partir de determinado estádio de desenvolvimento mas que em níveis anteriores há que ser mais "pragmático" (?) e dar espaço de manobra a um "estado desenvolvimentista".

O que fica dito quanto ao contexto ideológico é aplicável ao que poderíamos designar por contexto teórico: ele pressupõe, de alguma forma, uma racionalidade dos agentes económicos nacionais que pode não se verificar. Mais: ele pressupõe, nomeadamente na área que aqui nos preocupa fundamentalmente (a dos impostos), que "quanto menos, melhor" por se entender que a carga fiscal é um (poderoso?) desincentivo ao empreendorismo e ao desenvolvimento do sector privado. Pessoalmente e a não ser que se atinjam níveis "asfixiantes" dessa mesma carga fiscal, temos sérias dúvidas sobre a eficácia de um significativo "desarmamento" fiscal como incentivo ao desenvolvimento do sector privado.



Além disso, há que ter em consideração não só os aspectos microeconómicos (empresariais) da cobrança de impostos como também os seus aspectos macroeconómicos. Ora, uma política de "quanto menos impostos melhor" é "filha" de uma outra que pressupõe que "quanto menos Estado, melhor". O que já vimos não ser necessariamente verdade... Nem teória, nem práctica nem historicamente.

Vem tudo isto a propósito de, face às concepções ideológicas e teóricas subjacentes àqueles relatórios, se considerar como altamente positiva a redução de impostos que se verificou.
Mas terá sido mesmo?

Uma tal redução de impostos significa uma descida da importância relativa das receitas domésticas face à outra fonte fundamental de financiamento do Orçamento do Estado, o Fundo Petrolífero. Sob o ponto de vista macroeconómico este não parece ser um bom caminho, tanto mais que sabemos quão instáveis são as receitas petrolíferas e a tendência que têm a, no longo prazo, virem a diminuir substancialmente.

Além disso, numa comparação com vários dos países da região, é evidente que Timor Leste tem agora um regime fiscal que trata com muita (execssiva...) benevolência os lucros das empresas. Basta comparar numa das imagens acima os dados para Timor com os dados de outros países para se perceber que se terá ido longe demais. Com que vantagens?

Mais: reduzir significativamente as taxas de impostos (nomeadamente os directos sobre as pessoas e sobre as emrpesas) tem como consequência que se perde um instrumento de alguma correcção de distribuição de rendimento que nos tempos que decorrem, em que este está cada vez mais desigualmente distribuído, fará alguma falta.

Mas há uma outra questão que não está presente directamente na metodologia do documento na parte relativa aos impostos: a forte redução das taxas alfandegárias. Num país como Timor Leste isto significa que ele fica completamente "desarmado" quanto à concorrência do exterior, nomeadamente em relação a produtos/sectores onde, apesar de todas as dificuldades, seria possível fazer alguma produção interna para o mercado interno (pelo menos). Já abordámos aqui, noutras ocasiões, este mesmo tema que alguém definiu como caracterizando uma "liberalização excessiva e demasiado cedo" em relação ao processo de desenvolvimento.

Post scriptum - O que está acima nada tem que ver com a questão do funcionamento da máquina fiscal que, ao que me dizem, tem melhorado significativamente. Antes assim.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

O que diz o ADB sobre Timor Leste

Sorry for any inconvenience... mas vai em inglês e tudo (vd pg 112 do ADO Update):

"Democratic Republic of Timor-Leste

The preferred measure of this economy, i.e. excluding petroleum production and the operations of the United Nations, was revised up for 2008 from the preliminary estimate of 10.0% to 13.0%. Development is based on high levels of public spending that is funded mainly by the Government’s revenue from hydrocarbons production. In view of efforts to trim public spending to more sustainable levels since the easing of world oil prices, economic growth is expected to slow to about 8% in 2009, lowered from the ADO 2009 forecast.
This still-robust rate is supported by increases in public sector salaries and gradual improvements in agriculture, which accounts for about 85% of employment. Economic growth is expected to edge higher to about 9% in 2010.
Inflation has subsided at a much faster rate than forecast in ADO 2009, driven by sharp falls in international prices of food and fuel. (The use of the US dollar as the national currency has helped in this regard.) The consumer price index fell by 1.3% on a year-on-year basis in the second quarter of 2009. For the full year, inflation is now forecast at 1.5%, revised down sharply from ADO 2009, and for 2010 the forecast is lowered to 3.1%.
Withdrawals this year from the Petroleum Fund, which holds national savings exceeding $4 billion from offshore hydrocarbons production, are budgeted to exceed estimated sustainable income. The key challenge is to use these withdrawals for broad-based development to reduce poverty, while ensuring that adequate savings are retained to fund the budget for future generations. Agriculture will likely be the main source of income for most of the population for some decades and further investment is required in this sector. However, current Government intervention in the market as a buyer and seller of agricultural produce may not be as productive as conventional policies to invest in agricultural extension services, improvements to access to markets, and human capital."

Algumas estimativas do ADB

No documento referido na 'entrada' anterior referem-se, a páginas tantas, um conjunto de estimativas/pressupostos que servem de base às projecções do Banco Asiático de Desenvolvimento para os anos de 2009 e 2010.

Para Timor Leste o mais relevante são as estimativas relativas à evolução do preço do petróleo (neste caso o Brent, embora o que mais interessa para Timor seja o preço WTI; preços de hoje por barril: Brent=67,05; WTI=68,30 USD).
Note-se que o relatório publicado em Abril passado estimava para o preço médio em 2009 do Brent o valor de 43 USD/barril mas agora, face à evolução entretanto verificada, já se prevê que o preço médio se venha asituar nos 63,2 USD/barril. Recorde-se que o OGE de Timor Leste para 2009 previu que o preço médio do WTI seria de 60 USD/barril.
Para 2010 a estimativa do ADB é agora que o preço médio seja de 72,9 USD, quando em Abril estimava que seria apenas de 50 USD/barril. Isto são boas perspectivas para o Fundo Petrolífero --- a concretizar-se o preço médio acima isso significará um aumento de 12,9 USD/barril relativamente ao estimado no OGE de 2009 (um aumento de um pouco mais de 20%) --- e, consequentemente, para o "rendimento sustentável" transferível para financiamento do Orçamento do Estado, que poderá aumentar relativamente a este ano.
Claro que o valor real do "rendimento sustentável" dependerá igualmente a efectiva extracção de petróleo e gás, que já está na fase descendente da curva de produção de Bayu-Undan.

Outro valor com interesse é o dos "US Federal Funds rate", a taxa de juro paga, em média, pelos Títulos do Tesouro dos Estados Unidos, que constituem o principal activo do Fundo Petrolífero.
Essa taxa poderá subir dos 0,1% estimados para este ano para os 0,5% em 2010, o que significará uma ligeira melhoria da rendibilidade dos activos do Fundo Petrolífero.
Asubida da taxa significará que a situação económica que temos vivido estará, em 2010, já em fase mais nítida de recuperação, podendo mesmo acontecer que a subida daquela taxa seja ainda maior que o antevisto aqui. A necessidade de consolidação da recuperação económica e o facto de a taxa de inflação se prever ser ainda baixa poderão, no entanto, levar a uma contenção na política de subidas da taxa de juro.

A evolução recente do USD e o futuro, uma análise do ADB

O Banco Asiático de Desenvolvimento (ADB na sua sigla inglesa) acaba de publicar um update do seu relatório anual deste ano, o Asia Development Outlook 2009.

Nele se faz, a certa altura, uma análise do que foi a evolução recente da taxa de câmbio do USD (dólar americano) face a outras moedas. Embora, na sequência da crise económica mundial actual e dos problemas da economia americana, essa taxa de câmbio tenha começado por se depreciar, depois (a partir de Setembro do ano passado) recomeçou a valorizar-se para, mais recentemente, ter voltado a depreciar-se (veja-se abaixo o texto original, em inglês; 'clique' na imagem para a tornar legível, sff).

Na parte final do texto faz-se uma análise sobre o que poderá ser o futuro imediato da evolução da taxa de câmbio do USD. Aí se diz o seguinte (tradução minha, AS):

"O dólar pode continuar a enfraquecer uma vez que a recuperação económica mundial e melhores perspectivas para os mercados de bolsistas [acções] e de matérias primas [commodities] estão a incentivar os investidores a abandonarem activos denominados em dólares. Além disso, uma tendência mais lenta de facilitação na política monetária registada no resto do Mundo comparativamente com os Estados Unidos [traduzida em taxas de juro mais altas fora dos EUA - AS] é possível que torne menos atractivo o investimento neste país.
Além disso, também os esforços quer dos países industrializados quer dos países em desenvolvimento em reequilibrar as suas economias podem enfraquecer o USD. No entanto, uma recuperação mais rápida nos EUA do que noutros países industrializados pode dar algum reforço do dólar no curto prazo.
Preocupações dos bancos centrais de outros países que não os Estados Unidos relativamente aos seus activos em dólares [ex: a China] podem exercer pressões sobre o Governo dos EUA no sentido de adoptar políticas de estabilização da sua moeda".

Moral da história: o futuro da taxa de câmbio do USD no curto-médio prazo é incerto já que, tal como existem factores que apontam apra a sua depreciação, também há outros factores que podem levar à sua estabilização, diminuindo as pressões para redução do seu poder que se fazem sentir actualmente no mercado.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

As contas do Estado à lupa...

Não é possível fazer aqui uma análise exaustiva das contas do Estado cujos valores globais são apresentados nas 'entradas' anteriores.
Assim sendo, a "lupa" incidiu apenas sobre as despesas de "capital e desenvolvimento" e, dentro destas, apenas em algumas.

No OGE deste ano, num total de 680 milhões de USD, um pouco mais de 205 milhões foram destinados àquele tipo de despesas (30% do total), dos quais 87 milhões são para a central eléctrica de Hera e quase 23 milhões para as FALINTIL (crê-se que principalmente para a aquisição de dois navios-patrulha chineses), num total, das duas rubricas, de 110 milhões (55% das despesas de "capital e desenvolvimento"). A estes valores há que adicionar, entre muitas outras despesas deste tipo, a dotação para a Direcção de Estradas, Pontes e Controlo de Inundações, com um orçamento de 18,3 milhões (pouco mais de 9% do total previsto para esats despesas no OGE).

É curioso verificar que a dotação orçamental para estas despesas a afectuar por esta Direcção baixou de 20 milhões em 2008 para 18 em 2009 apesar de o Orçamento global do Governo ter quase duplicado (de 333 para 680 milhões) e o das despesas de capital ter aumentado de 61 para 205 milhões.

Destes, encontravam-se pagos até 30 de Junho apenas 13,6 milhões mas havia compromissos para 183 milhões --- dos quais cerca de 87 deverão dizer respeito à central eléctrica em construção.

O Ministério das Infraestruturas, que coordena a parte mais significativa destas, tem para este ano um orçamento de despesas de "capital de desenvolvimento" de 117,9 milhões, das quais, como se disse, 87 correspondem à central já referida. Do total da dotação encontrava-se paga em 30 de Junho apenas 4%, não tendo sido efectuado qualquer pagamento relacionado com a central eléctrica, então a dar os primeiros passos.

Voltando às despesas deste tipo previstas para a Direcção de Estradas (18,3 milhões USD), no final do primeiro semestre estavam pagos 3 milhões, que correspondem a uma taxa de execução "por caixa" de 17%, uma melhoria face aos 10% que se registavam no mesmo momento do ano passado (2 milhões de USD).

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Comparando com o ano anterior

Os dados da 'entrada' anterior podem ser comparados com os do ano passado (2008), o primeiro em que o ano fiscal coincidiu com o ano civil, como acontece actualmente mas diferentemente do que aconteceu até 2007, quando o ano fiscal começava em 1 de Julho de um ano e terminava a 30 de Junho do ano seguinte.

Repare-se que no mesmo período do ano passado a taxa de "execução de caixa" (isto é, considerando apenas os pagamentos efectivamente efectuados pelo Tesouro Nacional) foi de 32,3%, mais 5 pontos percentuais que este ano. A pior taxa de execução segundo este critério era, a 30 de Junho de 2008, a de "Capital de Desenvolvimento", com 6,9%, praticamente a mesma taxa deste ano (7%).
A maior taxa de execução foi, como seria de esperar, a dos salários e remunerações com quase 47% (40% em 30/Jun/2009).

Considerando o conjunto de despesas efectivamente pagas por caixa e os compromissos assumidos, a taxa de execução no ano passado na mesma data era de 58,8%, contra os 73% deste ano (valor a que não são estranhos os mais de 80 milhões de USD comprometidos com a central térmica de Hera).

Uma nota final para salientar que o OGE de 2008 foi cerca de metade dos 680 milhões de USD previstos no deste ano.

Contas de execução do Orçamento no 1º semestre de 2009

No 'sítio' do Ministério das Finanças de Timor Leste está disponível o relatório de execução fiscal do primeiro semestre deste ano.
Um quadro síntese da situação no fim de Junho passado era o seguinte:

O próprio relatório descreve a situação nos seguintes termos:
"A execução orçamental [das despesas] até ao segundo trimestre foi de 73% segundo o método de compromissos e de 27% segundo o método de caixa. O fluxo de entrada de receitas na conta consolidada foi de US$ 243,5milhões."

De notar a enorme diferença entre os valores pagos efectivamente por caixa --- que alguns considerarão como a verdadeira execução orçamental --- e os valores globais (incluindo os compromissos assumidos mas que poderão ou não vir a concretizarem-se).
Segundo o método de caixa a execução orçamental foi de (apenas) 27% mas se adicionarmos os compromissos assumidos ela passa para os 73%.

Um quadro no final do relatório sumaria a situação por tipo de despesa. por ele se pode verificar que as despesas de "capital de desenvolvimento" e de "capital menor" tiveram taxas de "execução de caixa" de 7% e de 10%, respectivamente.
Por outro lado as rubricas "salários e remunerações", "bens e serviços" e transferências tiveram taxas de "execução de caixa" que se situaram entre os 37% e os 40%.
Note-se que estes valores correspondem apenas a um semestre; uma eventual extrapolação para todo o ano --- sempre difícil de fazer devido ao acumular de pagamentos no final do ano --- implicaria a duplicação destas taxas.

Os valores acima são muito aumentados se usarmos o método dos compromissos, aparentemente privilegiado pelo Governo de Timor Leste. Na verdade, os valores das despesas em capital (menor ou de desenvolvimento) e de transferências passam para os mais de 90%.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Mais um "sapato sujo": o quinto.

"Quinto sapato: a vergonha de ser pobre e o culto das aparências

A pressa em mostrar que não se é pobre é, em si mesma, um atestado de pobreza. A nossa pobreza não pode ser motivo de ocultação. Quem deve sentir vergonha não é o pobre mas quem cria pobreza.

Vivemos hoje uma atabalhoada preocupação em exibirmos falsos sinais de riqueza. Criou-se a ideia que o estatuto do cidadão nasce dos sinais que o diferenciam dos mais pobres.

Recordo-me que certa vez entendi comprar uma viatura em Maputo. Quando o vendedor reparou no carro que eu tinha escolhido quase lhe deu um ataque.
“Mas esse, senhor Mia, o senhor necessita de uma viatura compatível”. O termo é curioso: “compatível”.

Estamos vivendo num palco de teatro e de representações: uma viatura já é não um objecto funcional. É um passaporte para um estatuto de importância, uma fonte de vaidades. O carro converteu-se num motivo de idolatria, numa espécie de santuário, numa verdadeira obsessão promocional.

Esta doença, esta religião que se podia chamar viaturolatria atacou desde o dirigente do Estado ao menino da rua. Um miúdo que não sabe ler é capaz de conhecer a marca e os detalhes todos dos modelos de viaturas. É triste que o horizonte de ambições seja tão vazio e se reduza ao brilho de uma marca de automóvel.

É urgente que as nossas escolas exaltem a humildade e a simplicidade como valores positivos. A arrogância e o exibicionismo não são, como se pretende, emanações de alguma essência da cultura africana do poder. São emanações de quem toma a embalagem pelo conteúdo."

PS - este "sapato", talvez ainda mais que outros, parece "calçar" bem a determinadas pessoas em Timor Leste. E a culpa só parcialmente é delas. A principal culpa é da ONU que, com a sua política de compra de viaturas (principalmente jeeps quase topo de gama) , acabou por ajudar a definir o "padrão mínimo" do que é "aceitável"... Shame on you, UN!

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Comentário a um comentário...

... sobre a questão da contracção de empréstimos.
Diz o comentário/pergunta:

"Pergunto-me como poderia o Governo obter semelhante financiamento se a lei timorense não permite contrair empréstimos nessas condições? Cumprimentos (16 de Setembro de 2009 3:13)"

Comentário/resposta: "Elementar, meu caro Watson!...". Alterando a Lei, pois claro!... Desde o dia 20 de Maio de 2002 que a legislação existente sobre o assunto, promulgada pela UNTAET para a servir a ela própria mais que a Timor Leste, podia ser alterada. É, aliás, o que está a ser feito actualmente por proposta do Governo ao Parlamento Nacional.
Ela não foi alterada porque, eventualmente por razões não muito diferentes, os governos do país foram, todos eles e pelo menos até agora, contra a contracção de empréstimos.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Mais um sapato sujo... Mais Mia Couto

Prossigamos com a apresentação dos "sapatos sujos" de Mia Couto:

"Quarto sapato: a ideia que mudar as palavras muda a realidade

Uma vez em Nova Iorque um compatriota nosso fazia uma exposição sobre a situação da nossa economia e, a certo momento, falou de mercado negro. Foi o fim do mundo. Vozes indignadas de protesto se ergueram e o meu pobre amigo teve que interromper sem entender bem o que se estava a passar. No dia seguinte recebíamos uma espécie de pequeno dicionário dos termos politicamente incorrectos. Estavam banidos da língua termos como cego, surdo, gordo, magro, etc…

Nós fomos a reboque destas preocupações de ordem cosmética. Estamos reproduzindo um discurso que privilegia o superficial e que sugere que, mudando a cobertura, o bolo passa a ser comestível. Hoje assistimos, por exemplo, a hesitações sobre se devemos dizer “negro” ou “preto”. Como se o problema estivesse nas palavras, em si mesmas. O curioso é que, enquanto nos entretemos com essa escolha, vamos mantendo designações que são realmente pejorativas como as de mulato e de monhé.

Há toda uma geração que está aprendendo uma língua – a língua dos workshops. É uma língua simples uma espécie de crioulo a meio caminho entre o inglês e o português. Na realidade, não é uma língua mas um vocabulário de pacotilha.
Basta saber agitar umas tantas palavras da moda para falarmos como os outros isto é, para não dizermos nada. Recomendo-vos fortemente uns tantos termos como, por exemplo:

- desenvolvimento sustentável
- awarenesses ou accountability
- boa governação
- parcerias sejam elas inteligentes ou não
- comunidades locais

Estes ingredientes devem ser usados de preferência num formato “powerpoint. Outro segredo para fazer boa figura nos workshops é fazer uso de umas tantas siglas. Porque um workshopista de categoria domina esses códigos. Cito aqui uma possível frase de um possível relatório: Os ODMS do PNUD equiparam-se ao NEPAD da UA e ao PARPA do GOM. Para bom entendedor meia sigla basta.
Sou de um tempo em que o que éramos era medido pelo que fazíamos. Hoje o que somos é medido pelo espectáculo que fazemos de nós mesmos, pelo modo como nos colocamos na montra. O CV, o cartão de visitas cheio de requintes e títulos, a bibliografia de publicações que quase ninguém leu, tudo isso parece sugerir uma coisa: a aparência passou a valer mais do que a capacidade para fazermos coisas.

Muitas das instituições que deviam produzir ideias estão hoje produzindo papéis, atafulhando prateleiras de relatórios condenados a serem arquivo morto. Em lugar de soluções encontram-se problemas. Em lugar de acções sugerem-se novos estudos."

Mais bolsas de estudo para timorenses estudarem no estrangeiro (?)

Através do blog TimorLorosaeNação tive conhecimento de declarações do Primeiro Ministro Xanana Gusmão prestadas ao Jornal Nacional - Semanário e publicadas a 29 de Agosto passado.
Nele se abordam vários aspectos da vida de Timor Leste nos dez anos que decorreram sobre a data do referendo de 1999. Chamou-me particularmente a atenção para a frase que fica transcrita abaixo:

"O mesmo [governante] também falou do programa do governo da AMP sobre as bolsas de estudos aos jovens que vão estudar na indonésia, nas Filipinas e noutros países. O governo acha que este programa ainda não é suficiente."

A propósito desta política lembrei-me de que Angola, tinha ela cerca de dez anos também, fez uma opção diferente da que parece ter tomado Timor Leste: em vez de enviar muitos estudantes para fora contratou algumas centenas de professores (portugueses) e levou-os para ensinarem no terreno, em Angola.
O programa chegou a ter uma tal dimensão que mais ou menos na época em que em Portugal eram divulgados os resultados das colocações dos professores nas escolas do ensino secundário (Setembro-Outubro), o Ministério da Educação de Angola enviava para Lisboa uma equipa de selecção para captar aqueles professores que quisessem ir leccionar para aquele país.
Eu próprio cheguei a estar a um (pequeníssimo) passo de ir leccionar para a Universidade Agostinho Neto, não se tendo concretizado a minha ida por entretanto terem alterado as disciplinas que eu tinha acordado ir leccionar.

Mas o que interessa é que estamos aqui perante dois modelos "alternativos" (veja-se mais abaixo umas reticências a esta característica de "alternativa"): levar os estudantes para outro país, para um ambiente de trabalho que lhes é estranho, ou trazer os docentes aos alunos e impulsionar, assim, a qualidade do ensino no próprio país.

Não sei se o Ministério da Educação de Timor equacionou as duas alternativas e analisou devidamente os "custos e benefícios" de ambas. Mas ainda que confesse que não tenho dados que me permitam fazer essa análise, não colocaria de parte a "solução angolana". Creio, mesmo, que ela tem virtualidades sobre a melhoria da qualidade do ensino em Timor que a solução pela qual parece estar a optar-se nitidamente não tem. E o que é necessário é, parece-me, criar núcleos de "excelência" (relativa) no ensino que possam servir, pelo menos a longo prazo, de elemento de dinamização e reprodução da qualidade do ensino em Timor Leste.
Uma amiga minha, por exemplo, dizia-me que uma das maiores necessidades do ensino no país é a criação de um espírito científico, de rigor, que é normalmente associado ao ensino das ciências exactas, nomeadamente a matemática mas não só. Por isso e face às IMENSAS fraquezas neste domínio de que enferma o sistema de ensino no país (e a própria sociedade, muito propensa a "crendices" de vária natureza) sugeria a possibilidade de Timor Leste --- eventualmente com a ajuda financeira de alguns doadores --- contratar em países da região (o exemplo por ela referido era a Malásia) professores de Matemática e de Ciências Naturais que ajudassem, em contacto directo com algumas centenas/milhares de alunos, a desenvolver o referido espírito de rigor que tanta falta faz num sistema de ensino e na sociedade em geral.

Numa altura em que se fala na "replicação" parcial da Escola Portuguesa de Dili noutros distritos, a adopção desta política de trazer mais professores para ensinarem directamente aos alunos do ensino secundário poderia ser vista como uma "alternativa" (ou um complemento) ao envio de tantos bolseiros para fora do país.

Claro que não me esqueço de que as bolsas que estão/vão ser dadas são para estudantes universitários e a solução aqui proposta é principalmente para o ensino secundário. Por isso a sugestão não é um verdadeira alternativa mas sim, principalmente, um complemento. Porém, não vejo porque esta alternativa não pode ser aplicada também ao ensino superior: levar para lá docentes capacitados em vez de enviar (tantos) alunos para o exterior. Quais os custos e benefícios de uma e outra solução?

Finalmente, é também para mim claro que (i) o essencial é estudar o assunto e depois tomar uma decisão com base em dados o mais objectivos possível; (ii) a opção de levar para Timor docentes tem também dificuldades no que toca à adaptação destes e (iii) esta solução não pode ser estendida a todas as escolas, o que irá criar algum grau de diferenciação entre estudantes no país. E o sistema de bolsas não faz o mesmo? E o que é melhor: deixar generalizar o ensino de fraca qualidade ou criar, no país, núcleos de qualidade que possam, ao longo do tempo, "reproduzir-se" e alterar o sistema a longo prazo? Como dizia o "outro": "é necessário criar um, dois três, muitos Vietnames...".

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Doing business 2010: Timor Leste

O Banco Mundial publica desde há alguns anos um relatório mundial sobre as condições de exercício da actividade empresarial em vários países.
No início deste mês divulgou o relatório com data de 2010. Está também disponível um relatório específico para vários países, entre os quais Timor Leste. A versão PDF do relatório relativo ao país está disponível neste endereço.

Há vários critérios observados que permitem construir uma tabela ordenada de 183 países. Timor Leste encontra-se este ano no 164º lugar, tendo subido 9 lugares essencialmente devido à grande subida na rubrica "Pagamento de impostos" ("Paying taxes"): subiu 56 lugares, o que se ficará a dever, em parte, aos importantes "cortes" nas taxas fiscais realizados em 2008.
Neste item Timor Leste situa-se actualmente em 19º lugar a nível mundial, quando no ano passado se situava em 75º.

Há, no entanto, três items muito importantes para os investidores em que Timor Leste está no fundo da tabela: o 183º e último lugar. São eles o registo de propriedade, a implementação ("enforcing") dos contratos e o encerramento da actividade de uma empresa.

Voltando a Mia Couto...

Se bem se lembram, há cerca de um mês ('entrada' de 13 de Agosto p.p.) falei aqui de um discurso do escritor moçambicano Mia Couto em que ele falava dos "Sete sapatos sujos" do seu Moçambique independente --- mas não só.

Devido ao interesse do referido texto, retomo-o aqui mais uma vez, agora para falar do

"Terceiro sapato [sujo]: o preconceito de quem critica é um inimigo

Muitas acreditam que, com o fim do monopartidarismo, terminaria a intolerância para com os que pensavam diferente. Mas a intolerância não é apenas fruto de regimes. É fruto de culturas, é o resultado da História.
Herdamos da sociedade rural uma noção de lealdade que é demasiado paroquial. Esse desencorajar do espírito crítico é ainda mais grave quando se trata da juventude. O universo rural é fundado na autoridade da idade. Aquele que é jovem, aquele que não casou nem teve filhos, esse não tem direitos, não tem voz nem visibilidade. A mesma marginalização pesa sobre a mulher.

Toda essa herança não ajuda a que se crie uma cultura de discussão frontal e aberta. Muito do debate de ideias é, assim, substituído pela agressão pessoal. Basta diabolizar quem pensa de modo diverso. Existe uma variedade de demónios à disposição: uma cor política, uma cor de alma, uma cor de pele, uma origem social ou religiosa diversa.

Há neste domínio um componente histórico recente que devemos considerar: Moçambique nasceu da luta de guerrilha. Essa herança deu-nos um sentido épico da história e um profundo orgulho no modo como a independência foi conquistada. Mas a luta armada de libertação nacional também cedeu, por inércia, a ideia de que o povo era uma espécie de exército e podia ser comandado por via de disciplina militar. Nos anos pós-independência, todos éramos militantes, todos tínhamos uma só causa, a nossa alma inteira vergava-se em continência na presença dos chefes. E havia tantos chefes.

Essa herança não ajudou a que nascesse uma capacidade de insubordinação positiva. "

terça-feira, 15 de setembro de 2009

"A redução da produção petrolífera afecta as exportações"

"Cidade do México - A produção de petróleo do México está a diminuir mais depressa do que o esperado, aumentando a possibilidade de, nos próximos anos, o país perder o seu estatuto de um dos principais exportadores mundiais de petróleo e fazer face a um agravamento da sua situação orçamental.
A produção do campo petrolífero Cantarell, da empresa estatal monopolista Petróleos do México e que já foi o segundo maior campo a nível mundial, diminuiu para 500 mil barris por dia, de um máximo de 2,1 milhões em 2005.
(...)
A descida da produção de Cantarell diminuiu a produção global do México. A diminuição das exportações petrolíferas do país está a custar cerca de 14 mil milhões de USD por ano --- más notícias para um país que depende das exportações de petróleo para financiar cerca de 40% do seu orçamento estatal anual."

in The Wall Street Journal (Asia edition), 10/Set/2009, pg 10

PS -um subtítulo para esta notícia poderia ser "Quem te avisa teu amigo é"...

sábado, 12 de setembro de 2009

Ainda a propósito das centrais eléctricas...

... lembro que no Orçamento de Estado de 2009 se previu que em 2010 seriam gastos nas mesmas 160 (um-seis-zero) milhões de USD.
Com o "envelope fiscal" deste último ano fixado em cerca de 640 milhões de USD por decisão recente do Governo veiculada pelo Ministério das Finanças, temos que, se for mantida a previsão de gastos no total e com as centrais, elas representarão, só por si, cerca de 25% (1/4) do orçamento global para 2010. O que é uma percentagem "arrasadora".
Aguardemos a proposta de OGE para 2010 para ver como o Governo irá defrontar este problema.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

De vez em quando...

... e a proposito das duas entradas anteriores convem recordar o que se diz na coluna aqui ao lado:

"As considerações a fazer aqui são ESTRITAMENTE INDIVIDUAIS E SÓ A MIM RESPONSABILIZAM. As instituições a que tenho estado ligado profissionalmente, nomeadamente em Timor Leste, NÃO SÃO RESPONSÁVEIS pelo conteúdo deste blog. Este é determinado APENAS E EXCLUSIVAMENTE por aquilo que penso serem sãos princípios de Economia e de Política Económica e não por interesses políticos ou partidários que, naturalmente, não têm aqui cabimento pelos mais variados motivos. O que está em causa é um esforço para, com bases científicas e pedagógicas, abordar questões relevantes, ensinando a pescar e não dando um (ou dois...) peixes."

Dixit!

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Continuando no mesmo assunto...

... experimentei, graças à ajuda de uma simples folha de cálculo (obrigado, LM), calcular quanto custaria anualmente a Timor Leste (aos cofres públicos) o financiamento das despesas de 85 milhões de USD previstos no Orçamento deste ano para a construção da central térmica a óleo pesado de Hera (e de parte das linhas de transmissão de energia) ou, como se diz textualmente no OGE, "Desenvolvimento de uma Rede da Produção e da Transmissão de Electricidade".

Se suposermos que era possível ao Governo obter um empréstimo concessional com uma taxa de juro de 0,75% (a taxa cobrada, por exemplo, pelo Banco Mundial), um período global de amortização de 24 anos que inclui um período de carência de 4 anos e sem taxa de administração, as depesas anuais com tal empréstimo seriam de cerca de 640 mil USD durante os primeiros 4 anos, que passariam a 4,7 milhões quando, no quinto ano (e até ao final do empréstimo), se começasse a fazer a amortização do capital.

Temos, pois, que o que havia a decidir quando se optou por construir as centrais --- não discuto aqui se elas são ou não a melhor opção técnica mas apenas os seus aspectos financeiros --- era se se gastavam 85 milhões de USD de uma só vez e directamente da "algibeira" (em "el contado"...) ou se se pedia um empréstimo em condições concessionais do tipo do apresentado (ou outro), ficando-se a pagar anualmente uma verba muito inferior (ainda que por um período alargado) e que tinha a vantagem de libertar recursos (no caso cerca de 80 milhões de USD num ano...) para aplicar noutros projectos como, por exemplo, melhoria das estradas, melhoria do aeroporto de Dili, projectos de desenvolvimento rural, you name it...

Diga-se que, por princípio, um projecto com uma duração alargada deverá ser financiado com recurso a um empréstimo a longo prazo e não com dinheiro "de caixa". Mais: um projecto deste tipo (como, por exemplo, o de ampliação de um aeroporto para permitir aumentar a sua capacidade de movimentação de aviões e passageiros) deve ser, pelo menos em parte, financiado com recurso às receitas que ele próprio gera. Isto é: deverão (deveriam...) ser as receitas da venda da electricidade produzida que ajudarão a pagar o empréstimo realizado para concretizar o investimento.

Creio, portanto, que a decisão de construir as centrais sem financiamento concessional de longo prazo não foi a mais acertada pois os recursos que poderiam ter sido "poupados" poderiam ser usados noutros projectos urgentes.

Não se pense, contudo, que o acesso aos empréstimos concessionais é simples ou fácil. Os financiadores são extremamente exigentes na análise dos custos e benefícios dos projectos que financiam e admito que, por exemplo, pudessem, no caso das centrais, questionar a opção técnica (tipo de centrais) e a escala do projecto (com uma capacidade que muitos, baseados em estudos existentes --- por ventura algo desactualizados ---, dizem ser muito acima das reais perspectivas de crescimento da procura).

Enfim, tudo isso seriam temas a discutir na fase de planeamento do projecto mas o princípio de que investimentos em infraestuturas com uma vida útil relativamente longa e que geram receitas próprias devem ser financiados privilegiadamente com recursos de longo prazo deveria ter sido mais atendido do que foi.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Financiamento do desenvolvimento, financiamento do Estado, empréstimos, dívida externa

Está em discussão na Comissão "C" do Parlamento Nacional --- a que analisa os assuntos económicos --- uma Proposta de Lei do Governo sobre Orçamento e Gestão Financeira [do Estado].
Convidado pelo Presidente da referida Comissão, o deputado Dr. Manuel Tilman, tive a ocasião de participar numa conferência organizada para debater vários aspectos da Proposta de Lei, tendo-me cabido falar, a título meramente individual e não em representação de mais ninguém para além de mim próprio, sobre vários mecanismos de financiamento do desenvolvimento do país e, em particular, de financiamento do Estado (e das suas despesas de desenvolvimento).

Um desses mecanismos, vedado legalmente até agora pela legislação em vigor e que data do tempo da UNTAET, é o recurso, pelo Estado, ao crédito, seja ele nacional ou internacional --- com a consequente criação de dívida interna, num caso, ou externa, noutro.

O acesso ao crédito interno pode ser feito, teorica e principalmente, de três formas: endividamento perante o Banco Central do país; idem mas em relação à banca comercial; e, muito importante em muitos casos, por recurso ao público em geral (incluindo a banca ou outros investidores) através da emissão de Títulos do Tesouro.

O recurso ao crédito pelo banco central está, hoje em dia, vedado na maioria dos países pois isso corresponderia a colocar "a impressora de notas a trabalhar", criando-se assim moeda que, quase inevitavelmente, iria provocar, por excesso de "oferta de moeda", subida dos preços (inflação) e perda de valor da moeda nacional (depreciação) --- quando há muitos ananazes o seu preço no mercado baixa... Sendo a moeda um "produto" como os ananazes, o seu "preço" face a outras moedas também tenderá a descer quando a sua quantidade em circulação aumenta --- isto é, a taxa de câmbio da moeda nacional (nos países que a têm) tenderá a depreciar-se.
Por isso o recurso ao crédito do banco central é hoje proibido segundo os estatutos da esmagadora maioria dos bancos centrais.

E o que dizer quanto ao financiamento junto da banca comercial nacional? No caso de Timor-Leste isso provocaria, quase inevitavelmente e porque os pedidos de financiamento do Estado tenderiam a ser volumosos, uma diminuição do dinheiro disponível para financiar o sector privado. O Estado "empurraria para fora" (crowd out) do sistema de crédito muitos investidores privados já que a banca nacional poderia não ter recursos suficientes para emprestar ao Estado (muito) e aos privados (um pouco a cada um).
O financiamento do Estado correria, assim, o risco de "secar" a fonte de desenvolvimento do sector privado, o crédito, tenendo este sector como que a "definhar" face a um Estado "glutão" e "absorvente" de muitos dos recursos financeiros disponíveis no país. O Estado "incharia" em parte à custa do "definhar" do sector privado". O que, como é óbvio, é de evitar a todo o custo.

Claro que o recurso ao endividamento directo junto dos particulares através da emissão de Títulos de Tesouro vendidos principalmente no mercado interno teria um efeito menor do que o anterior mas que, no limite, poderia fazer também alguma "mossa" na disponibilidade de recursos para o desenvolvimento do sector privado.

O Estado poderá, em alternativa a estas fontes de financiamento, recorrer à colocação de empréstimos representados por Títulos do Tesouro no mercado internacional --- adiminto que seria realista fazê-lo nas circunstâncias de Timor Leste ---, ou contrair empréstimos que poderiam ser ou do tipo meramente comercial ou, como acontece em tantos outros países pobres e em desenvolvimento, "empréstimos concessionais".

Estes caracterizam-se essencialmente por serem empréstimos contraídos junto de organizações financeiras internacionais --- ex: Banco Mundial, Banco Asiático de Desenvolvimento (ADB) --- ou de alguns Fundos existentes --- caso, por exemplo, do conhecido Fundo do Kuwait.
Estas organizações, por não terem como objectivo principal o lucro e a sua maximização, podem conceder empréstimos com condições muito favoráveis. O Banco Mundial, por exemplo, cobra apenas 0,75% de taxa de juro. Um empréstimo recente do ADB ao Kazaquistão prevê uma amortização em 35 anos com um "período de carência" --- isto é, um período em que só se pagam juros e não se amortiza capital --- de 10 anos.
Suponha-se, por exemplo, que um país pretende aumentar a capacidade do seu aeroporto porque quer apostar no desenvolvimento do sector do turismo. Um "empréstimo concessional" do tipo referido permite-lhe fazer as obras e só quando se começar a verificar efectivamente um aumento do movimento de aviões e passageiros é que, com as receitas das várias taxas cobradas, irá começar a amortizar o empréstimo contraído (até aí pagou apenas os juros, uma importância muito mais reduzida e "suportável" pelo Orçamento sem grande esforço).

Claro que contrair um empréstimo, mesmo que seja "concessional", é assumir um encargo que tem de ser cumprido e por isso é ESSENCIAL que o dinheiro do empréstimo seja bem aplicado.
Note-se que desse empréstimo fará parte uma verba, por vezes não pequena, para pagar assistência técnica ligada à implementação do projecto que o empréstimo irá financiar. Essa ajuda pode ser essencial, também ela, para garantir que os recursos são bem utilizados, sem desperdícios de maior --- sejam eles de natureza legal ou ilegal (não sei se me faço entender...).

Não há, no entanto, que ter medo de criar dívida externa DESDE QUE SEJA ASSEGURADA A EFICÁCIA DOS INVESTIMENTOS A FINANCIAR POR ELA. Quantos de nós não tem dívidas perante um banco ou um particular pois essa foi a única maneira de construirmos a nossa própria casa ou iniciarmos o negócio em que nos lançámos?!...

Pessoalmente creio mesmo que Timor Leste já poderia, há alguns anos, ter contraído alguns empréstimos deste tipo (para reconstruir estradas, usar apropriadamente as suas fontes de energia, financiar projectos de desenvolvimento rural, etc) . Mas também compreendo que, face às dificuldades de execução do Orçamento e, em particular, da componente de "capital de desenvolvimento", os governos tenham tido receio de contrair empréstimos que iriam "apenas" engrossar a lista de projectos não executados --- mas que teriam de ser pagos.

Finalmente, uma nota suplementar sobre as relações desta questão com o Fundo Petrolífero.
O problema do financiamento do Estado tem de ser visto no seu conjunto e não separadamente, segundo as diversas fontes possíveis de financiamento. Por exemplo, pode perfeitamente chegar-se à conclusão de que é económica e financeiramente mais racional pedir empréstimos "concessionais" em que se paga 1% de encargos do que "perder" 3% de retorno nos investimentos do Fundo Petrolífero. Isto quer dizer também que pode ser mais racional criar alguma (e em volume sob controlo) dívida externa do tipo da referida do que aumentar o limite de recursos a extrair anualmente do Fundo Petrolífero.
Repare-se que não estou a a dizer que É forçosamente assim; estou apenas a alertar para a necessidade de o processo do financiamento do Estado --- e particularmente das suas despesas em desenvolvimento --- serem vistas no seu conjunto e face a estragégias alternativas ou complementares de financiamento. E, já agora, que se tenha em consideração que o dinheiro dos empréstimos está "associado" à realização de um projecto concreto de desenvolvimento e não ao financimento "genérico" do OGE (como é o caso dos recursos transferidos do FP) e, por isso, susceptíveis de serem aplicados com menor eficácia.