Há cerca de uma semana apresentámos aqui o relatório Doing Business 2010, incluindo a informação específica sobre Timor Leste.
Chamámos então a atenção para o facto de o país ter subido vários lugares na classificação quanto à facilidade de exercício da actividade empresarial privada graças, particularmente, ao "salto" que deu no domínio da cobrança de impostos como consequência da revisão (em baixa) das taxas a partir de 1 de Julho de 2008.
Uma análise deste tipo de documentos precisa, em primeiro lugar, que se compreenda qual o contexto ideológico em que se insere e, mesmo, qual o contexto teórico.
Quanto ao primeiro, é evidente que o que está em causa é uma certa visão mais ou menos (mais mais que menos...) liberal do capitalismo e que segue muito de perto aquilo que é a tradição "ocidental" --- eu restringiria mesmo a "americana"... --- do papel do sector privado na economia.
É mais ou menos evidente para todos que este modelo não tem, necessariamente, de se "encaixar" nem nos objectivos de todos os países nem na tradição de alguns deles. Os países de maior sucesso económico na Ásia Oriental, por exemplo, não alcançaram o seu actual estádio de desenvolvimento por essa via --- embora neste momento se aproximem dela, o que pode querer dizer (e para muitos --- incluindo nós próprios --- isto é verdade) que a lógica subjacente aos relatórios sobre Doing Business pode ser útil a partir de determinado estádio de desenvolvimento mas que em níveis anteriores há que ser mais "pragmático" (?) e dar espaço de manobra a um "estado desenvolvimentista".
O que fica dito quanto ao contexto ideológico é aplicável ao que poderíamos designar por contexto teórico: ele pressupõe, de alguma forma, uma racionalidade dos agentes económicos nacionais que pode não se verificar. Mais: ele pressupõe, nomeadamente na área que aqui nos preocupa fundamentalmente (a dos impostos), que "quanto menos, melhor" por se entender que a carga fiscal é um (poderoso?) desincentivo ao empreendorismo e ao desenvolvimento do sector privado. Pessoalmente e a não ser que se atinjam níveis "asfixiantes" dessa mesma carga fiscal, temos sérias dúvidas sobre a eficácia de um significativo "desarmamento" fiscal como incentivo ao desenvolvimento do sector privado.
Além disso, há que ter em consideração não só os aspectos microeconómicos (empresariais) da cobrança de impostos como também os seus aspectos macroeconómicos. Ora, uma política de "quanto menos impostos melhor" é "filha" de uma outra que pressupõe que "quanto menos Estado, melhor". O que já vimos não ser necessariamente verdade... Nem teória, nem práctica nem historicamente.
Vem tudo isto a propósito de, face às concepções ideológicas e teóricas subjacentes àqueles relatórios, se considerar como altamente positiva a redução de impostos que se verificou.
Mas terá sido mesmo?
Uma tal redução de impostos significa uma descida da importância relativa das receitas domésticas face à outra fonte fundamental de financiamento do Orçamento do Estado, o Fundo Petrolífero. Sob o ponto de vista macroeconómico este não parece ser um bom caminho, tanto mais que sabemos quão instáveis são as receitas petrolíferas e a tendência que têm a, no longo prazo, virem a diminuir substancialmente.
Além disso, numa comparação com vários dos países da região, é evidente que Timor Leste tem agora um regime fiscal que trata com muita (execssiva...) benevolência os lucros das empresas. Basta comparar numa das imagens acima os dados para Timor com os dados de outros países para se perceber que se terá ido longe demais. Com que vantagens?
Mais: reduzir significativamente as taxas de impostos (nomeadamente os directos sobre as pessoas e sobre as emrpesas) tem como consequência que se perde um instrumento de alguma correcção de distribuição de rendimento que nos tempos que decorrem, em que este está cada vez mais desigualmente distribuído, fará alguma falta.
Mas há uma outra questão que não está presente directamente na metodologia do documento na parte relativa aos impostos: a forte redução das taxas alfandegárias. Num país como Timor Leste isto significa que ele fica completamente "desarmado" quanto à concorrência do exterior, nomeadamente em relação a produtos/sectores onde, apesar de todas as dificuldades, seria possível fazer alguma produção interna para o mercado interno (pelo menos). Já abordámos aqui, noutras ocasiões, este mesmo tema que alguém definiu como caracterizando uma "liberalização excessiva e demasiado cedo" em relação ao processo de desenvolvimento.
Post scriptum - O que está acima nada tem que ver com a questão do funcionamento da máquina fiscal que, ao que me dizem, tem melhorado significativamente. Antes assim.
1 comentário:
Absolutamente de acordo.
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