Já há alguns dias que pensei comentar o parecer da Comissão "C" (assuntos económicos, de finanças e corrupção) sobre a proposta do Governo para o Orçamento de Estado de 2010. Outras ocupações impediram-me de o fazer mas de hoje não passam...
Não é possível, porém, fazer uma análise crítica exaustiva e por isso referirei apenas algumas que despertaram mais a minha atenção.
"Recomendação 1: Para evitar a dependência das receitas do petróleo e do gás, o país terá de trabalhar mais para desenvolver a sua economia interna. Isto poderá ser feito através da criação de empresas públicas lucrativas e de empresas mistas"
Quanto à primeira frase, não poderia concordar mais. Já quanto à segunda, há algumas "qualifications" --- no sentido inglês do termo --- a fazer. De facto, as empresas públicas podem ser UM dos instrumentos a usar mas não sei se serão o mais importante e por isso a referência devia ser "nomeadamente empresas públicas". Por outro lado, pelo facto de serem "empresas" pessupõe-se que deverão ser lucrativas mas a verdade é que a experiência histórica nos países em desenvolvimento (e não só...) parece apontar para uma quase incompatilidade entre a expressão "empresas públicas" e o termo "lucrativas"...
Daí que acredite que se é verdade que em alguns casos elas serão essenciais --- mesmo dando prejuízo... ---, não devem, como parece resultar do que está escrito, ser entendidas como "o" instrumento determinante da política económica de desenvolvimento. Sim mas... com conta, peso e medida!... Exactamente porque elas podem ser mais uma fonte de dores de cabeça para qualquer Ministro das Finanças do que uma benção do céu para o MInistro da Economia!
Isto deve-se, em parte, ao facto de em situações como as de Timor Leste ser relativamente fácil que as empresas públicas sejam, elas próprias e apesar de serem empresas, um "antro" de ineficiência e de corrupção.
"Recomendação 3: os empréstimos externos devem destinar-se a projectos concretos, identificados e com retorno económico para evitar futuros custos provenientes de externalidades. Terá de ser feita uma análise rigorosa em termos de impactos positivos e negativos na economia do país, evitando-se o recurso ao Fundo Petrolífero para pagar esses empréstimos"
Não podia estar mais de acordo. Eu próprio já enfatizei aqui este aspecto noutras ocasiões. Mas... Pelo menos até agora os recursos do Fundo não são consignados a nenhum tipo de despesas em particular, sendo postos à disposição do Governo para pagar desde centrais eléctricas até apára-lapis. Se assim continuar a ser depois da revisão (em 2010?) da Lei do Fundo Petrolífero, parte dos dinheiros deste poderão ser mesmo dedicados ao pagamento destes empréstimos. Por isso o que há que realçar é que eles devem ser efectuados, de preferência, para financiarem empreendimentos que se paguem a si próprios através das receitas (suficientes) que geram, evitando ao máximo o recurso ao OGE para os financiar.
Porém, em alguns casos tal não será evitável, certamente. É o caso das estradas, entre outros. A não ser que, por exemplo, se crie uma taxa (ex: imposto de circulação automóvel) cujas receitas estarão destinadas a esse efeito já que não haverá condições para estabelecer portagens nas vias assim financiadas.
"Recomendação 5: O OGE, como um instrumento de intervenção na economia terá de equilibrar a política em prol do crescimento com políticas em prol do emprego e em prol dos pobres. Por isso o OGE terá depromover um crescimento económico não muito ambicioso (6-7% por ano durante uma década) tendo por objectivo um desenvolvimento social e humano e«com impacto na redução da pobreza e na criação de novas oportunidades de emprego"
Pois... Ninguém discordará disto, certamente. O mais difícil é concretizar esta orientação genérica. O que há que salientar é que, assumida como verdadeira toda a "teoria" contida na recomendação, é necessário dela retirar todas as suas consequências... de uma forma consequente.
Por exemplo, tenho para mim que os Orçamentos --- particularmente este --- têm dado uma "excessiva" importância ao desenvolvimento do capital físico e uma insuficiente importância ao capital humano. Neste sentido, consideramos que o esforço que está a ser feito no desenvolvimento da educação COM UMA QUALIDADE MINIMAMENTE ACEITÁVEL não é suficiente para preparar o futuro das próximas gerações e, com elas, do país. A "arte" dos economistas (e também dos políticos) é fazerem uma afectação "óptima" dos recursos (sempre escassos por mais poços de petróleo que existam...) de modo a assegurar o desenvolvimento do país e dá a sensação de que se está a dar uma grande atenção ao "imediato" e ao "curto prazo" esquecendo as necessidades do "médio" e, principlalmente, do "longo prazo".
Assim este OGE pode ser criticado não apenas pelo que prevê mas também pelo que não prevê e devia prever. Se se olhar para o esforço que está a ser feito na educação e o compararmos com esforo semelhante de países na região, concluiremos que Timor Leste tem ainda muito que fazer neste domínio do desenvolvimento do capital humano, nomeadamente através da melhoria de uma educação de qualidade.
E finalmente (por hoje...): "Recomendação 9: É necessário fornecer acesso a habitação aos pobres e às pessoas mais vulneráveis, em especial dado o facto de 66% dos agregados familiares em Timor Leste viverem em habitações temporárias e 81% destas habitações terem sido classificadas de 'gravemente danificadas' de acordo com o IPV-TL (Inquérito aos Padrões de Vida, de 2007)"
Este é mais um caso em que há a necessidade de se fazer (penso eu...) alguma "qualification" do que é afirmado. A expressão "fornecer acesso a habitação" não significa, certamente, a opção de construção e entrega GRATUITA de habitações aos grupos referidos. Eles poderão/deverão ser (fortemente) ajudados a construir habitações dignas mas a contrapartida dessa ajuda será, entre outras, a de respeitarem alguns princípios básicos de ordenamento do território que compete ao Estado definir.
Entendo -- e concordarei se a interpretação for essa --- que ao Estado cabe um papel fundamental na definição e implementação de uma política habitacional ARTICULADA COM O ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO, PARTICULARMENTE DAS PRINCIPAIS CIDADES.
É pena que neste domínio não se vejam esforços significativos. Os planos dos primeiros governos constitucionais de procederem ao reordenamento de cidades como Dili, Maliana e Baucau foram parar a uma qualquer gaveta de que alguém perdeu a chave.
Reanimar esses planos --- eventualmente alterando o que há que alterar --- será um passo fundamental para melhorar a situação habitacional do país.
Mais: sabendo que a sua implementação e a dinamização da construção civil apoiada/organizada/desenvolvida pelo Estado é um poderoso factor de dinamização da actividade económica e da criação relativamente sustentada de emprego, deveria haver um plano nacional de habitação que integrasse e previsse também a criação das indústrias a montante e juzante. Organizem-se!
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