quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Sobre o "guardar de Conrado o prudente silêncio"

O Sr. Presidente da República de Timor Leste, Ramos Horta, fez ontem declarações à imprensa sobre o Fundo Petrolífero.

"Desvalorização do dólar deve fazer repensar o Fundo Petrolífero - Ramos-Horta

Díli, 21Out (Lusa) - O Presidente da República de Timor-Leste, Ramos-Horta, disse hoje ser urgente diversificar as aplicações do Fundo Petrolífero, actualmente em títulos do tesouro norte-americano, devido à desvalorização do dólar.

Falando aos jornalistas após regressar de Jacarta, onde assistiu à tomada de posse do seu homólogo indonésio, Susilo Bambang Yudhoyono, Ramos-Horta aproveitou para defender a necessidade de diversificar as aplicações do Fundo Petrolífero, acentuando que Timor-Leste arrisca-se a perder bastante dinheiro com a desvalorização do dólar.

"Se vamos continuar a esperar, o dólar vai-se depreciando e, apesar de ser um dos que acredito na economia americana, neste momento estamos numa situação extremamente perigosa. Se acontecer a debandada em relação ao dólar, o dólar cai, podendo suceder o mesmo que à rupia indonésia, e o que é que Timor vai fazer com os seus cinco biliões de dólares? Não vai conseguir fazer nada", alertou."


Independentemente de eu pensar que há coisas de que quanto menos se falar, melhor (e uma delas é, seguramente, tudo quanto tenha a ver com dinheiro), notei que as declarações são imprecisas.
De facto, embora eu pense que a legislação em vigor ( a Lei do Fundo Petrolífero, de 2005) é demasiado rígida em relação à estratégia de investimento dos recursos do Fundo --- embora também compreenda essa rigidez devido às circunstâncias da época: valores a receber no Fundo incomensuravelmente menores que os que vieram a verificar-se devido ao aumento do preço do petróleo e outros aspectos ---, a verdade é que desde Junho passado que o investimento não é feito APENAS em títulos denominados em dólares americanos. Disso dá conta o relatório trimestral de Junho passado disponível no 'sítio' do banco central de Timor Leste, a ABP.

Aí se informa que desde o final desse mês 20% do capital do Fundo é administrado pelo BIS-Bank of International Settlements, com sede em Basileia, na Suiça, e que essa parte do capital pode incluir (e inclui)

"um máximo de 20% da carteira de títulos [à guarda do BIS] em depósitos ou instrumentos de dívida denominados em dólares australianos (AUD), Euros (EUR), Iene japonês (JPY) e Libras Sterling (GBP)"

Isto é: neste momento o FP tem uma carteira de títulos em que 4% (20% de 20%...) são em outras moedas que não o USD. Note-se, no entanto, que segundo a Lei do Fundo este limite pode ir até aos 10% do total do capital do Fundo (Artº 14º da Lei do Fundo Petrolífero).

Tudo isto denota, da parte das autoridades timorenses --- e lembremos que a responsabilidade da definição da estratégia de investimento cabe ao Governo através do Ministério das Finanças e não ao banco central, que faz apenas a "gestão operacional" do Fundo sem determinar a sua política de investimentos ---, uma estratégia muito cautelosa quanto à gestão do Fundo Petrolífero. Essa estratégia, reconheçã-se, permitiu ao FP de Timor Leste atravessar a recente crise financeira internacional sem os sobressaltos (e as perdas enormes!) que outros "fundos soberanos" semelhantes sofreram.

Há, pois, ainda uma "janela" para aumentar o investimento em outras moedas que não o USD mas ultrapassar o limite dos 10% estabelecidos na Lei não é possível (se é que é desejável...) a não ser quando ela, em 2010, for alterada.

Até lá é conveniente "guardar de Conrado o prudente silêncio" nas considerações a fazer sobre o tema. E comparar o que eventualmente possa vir a acontecer ao USD com o que aconteceu com a rupia indonésia --- não houve referência a datas mas acredita-se que o PR estivesse a falar da queda da cotação que ela sofreu na sequência da crise de 1997/98, de cerca de 2500 IDR por USD para os cerca de 10.000 actuais --- não me parece que ajude muito. Até porque só uma verdadeira "revolução" na situação actual da economia mundial poderia justificar uma tão forte queda do valor do USD.

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