O semanário Tempo Semanal de ontem dá uma visão mais completa das declarações do Presidente Ramos Horta sobre a gestão do Fundo Petrolífero ou, melhor, sobre medidas a tomar face à desvalorização do dólar americano no último ano, que ele diz como tendo sido de cerca de 30%:
"So it means the five billion Dollars we have in US treasury bank a year ago now you can reduce it by 30%. Because the purchasing power of US dollar gone down to 30%." (tradução: "Isto quer dizer que os 5 biliões [de facto 5 mil milhões] de dólares que nós temos em títulos do Tesouro americanos há um ano atrás agora podem reduzi-los em 30%. Porque o poder de compra do USD baixou 30%)"
Será que foi mesmo assim? A consulta das taxas de câmbio de algumas moedas em 23 de Outubro de 2009 (hoje) e a mesma data do ano passado permite fazer alguma luz sobre o assunto. Vejamos, por exemplo, um dos 'sítios' mais úteis em que se registam as taxas de câmbio das várias moedas: o Pacific Exchange Rate Service.
Utilizando as suas capacidades de representação gráfica da evolução dos câmbios, construimos os seguintes gráficos para dois grupos de moedas (moeda base: o USD, a "nossa" moeda): as mais utilizadas no comércio internacional (Euro, libra inglesa e iene japonês) e as moedas de três dos principais países no comércio externo de Timor Leste (Indonésia, Singapura, Austrália; o Japão já figura na imagem anterior).
As imagens partem do valor 100, correspondente à taxa de câmbio de cada moeda há um ano atrás. Este tipo de representação é o mais apropriado para estudar a evolução relativa da cotação de cada moda em comparação com a de outras. Note-se que os gráficos têm a escala invertida a fim de facilitarem a leitura já que uma descida da linha corresponde a uma desvalorização do USD e, consequentemente, a uma valorização da moeda do respectivo país.
Pelos gráficos é evidente que a moeda cujo câmbio mais se alterou em relação ao USD foi o dólar australiano: o USD ter-se-á desvalorizado (perdido poder de compra, se abstrairmos da evolução dos preços no país) quase 40% em relação ao dólar australiano (AUD).
Relativamente às moedas dos demais países de economias mais avançadas pode-se ver que houve uma desvalorização (do USD) de cerca de 16% em relação ao Euro e de 7,5% e 2,5% em relação ao iene japonês e à libra inglesa, respectivamente. Tudo valores bem longe dos 30% referidos.
E em relação às moedas dos principais parceiros comerciais de Timor Leste --- afinal é isso que interessa: saber quanto tenho de pagar a esses países e não o que teria de pagar a outros... onde não compro quase nada.
O gráfico imediatamente acima diz-me que a taxa de câmbio do USD se desvalorizou em relação à rupia indonésia (IDR) e ao dólar de Singapura (SGD) entre os 6 e os 7%. Mais uma vez muito longe dos 30% referidos.
Como dissemos, as percentagens acima calculadas correspondem às diferenças entre as taxas de câmbio entre 23 de Outubro de 2008 e 2009. Isto é, à diferença entre duas datas, embora os gráficos ilustrem a evolução para todo o período entre aquelas datas.
Um aspecto que vale a pena salientar é que a evolução das moedas das economias mais avançadas em relação ao USD é bem mais instável (subidas e descidas) do que a evolução das taxas de câmbio dos países mais próximos de Timor Leste. Isto é resultado das políticas cambiais destes últimos, nomeadamente da preocupação, da parte da Indonésia e de Singapura, de não deixarem a sua própria moeda valorizar-se demasiado em relação ao USD pois isso significaria perda de competividade no mercado internacional, particularmente em relação ao mercado americano mas também em relação aos outros mercados da região da Ásia Oriental e do Sudeste Asiático.
Esta preocupação em não perderem competitividade tem levado outros países da região a manterem políticas cambiais que permitem que as suas moedas mantenham variações muito baixas em relação ao USD (ver gráfico abaixo). O exemplo mais significativo é o da Malásia, que pratica uma política de taxa de câmbio quase fixa em relação ao USD desde a crise de 1997/98, já lá vão mais de dez anos! O mesmo em relação ao Yuan chinês e ao dólar de Hong Kong.
Da evolução combinada as taxas de câmbio dos países do Sudeste Asiático que mais nos interessam resulta que elas são, umas em relação às outras, relativamente estáveis, como se todos se vigiassem mutuamente de modo a não perderam quotas de mercado a favor dos vizinhos (mais concorrentes que complementares no mercado internacional; que o diga o sector da electrónica...).
Moral da história: o importante ao analisarmos este tipo de questões não é comparar a evolução do USD (que é a "nossa" moeda) em relação à de países com os quais mantemos relações económicas reduzidas mas sim com aqueles com que nos relacionamos mais intensamente. E a verdade é que a perda de poder de compra da "nossa" moeda em relação aos países onde costumamos "ir às compras" foi reduzida.
Mas há mais! A evolução de uma taxa de câmbio, tem sempre duas "faces": a do que gastamos com as nossas importações e o que ganhamos com as nossas exportações. Ora, o que ficou acima é quase apenas visto do lado das importações --- essenciais no estado actual de desenvolvimento do país; basta olhar para as estatísitcas do comércio externo do país e, mais genericamente, para as da balança de pagamentos.
E do lado das exportações? A desvalorização da "nossa" moeda pode ser essencial para aumentar a competitividade externa da nossa economia e podermos passar a produzir no nosso país E A EXPORTAR produtos/serviços que até agora temos dificuldade em exportar devido ao facto de a "nossa" moeda estar demasiado valorizada. Uma desvalorização poderá até ser uma bênção para a economia nacional... Porque é que acham que os Estados Unidos estão a deixar desvalorizar a sua moeda?!... (Será que a desvalorização não corresponde, antes, a uma "correcção" de uma excessiva valorização verificada anteriormente, no início desta década?!...).
Além disso, essa desvalorização tem ainda outra "vantagem": a de que, tornando mais cara a importação, poderá contribuir para reduzir os gastos no estrangeiro e, last not least, contribuir para possibilitar a produção interna de bens/serviços que até aí eram importados por a "nossa" moeda estar demasiado (?) valorizada.
PS -o que fica acima não invalida o facto de se ter algum cuidado na gestão do Fundo Petrolífero, nomeadamente quanto à constituição da carteira de títulos em termos de moedas que a compõem. A diversificação já está a acontecer desde o fim de Junho passado mas parece haver, neste domínio, ainda algum espaço de manobra a explorar --- a passagem dos 4% actuais aos 10% permitidos pela Lei do Fundo Petrolífero. Mas como "cuidados e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém" parece aceitável o posicionamento cauteloso adoptado de início para ver como evolui a situação, principalmente numa época em que a situação financeira internacional é ainda tão volátil
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