terça-feira, 19 de agosto de 2008

Do bom método para fazer política económica

Tenho para mim que um dos problemas principais que se colocam hoje à política económica que está a ser implementada em Timor Leste é o da... falta de método! Que deriva da falta de conhecimentos e da falta de estudo...

Na verdade, creio que muitos erros que se estão a cometer são derivados de não serem seguidos os bons princípios da metodologia da política económica, nomeadamente quanto ao chamado "processo de tomada de decisões".

Tinbergen, o holandês que foi o primeiro prémio Nobel da Economia por ter sido exactamente o pai da metodologia da política económica, ensinava que no processo de tomada de decisões há, no mínimo, seis fases diferentes. A saber:

1ª fase: conhecimento da realidade (diagnóstico);
2ª fase: análise das divergências entre a realidade e o desejável;
3ª fase: estimativa dos efeitos de políticas económicas alternativas;
4ª fase: escolha e decisão sobre a política económica a executar;
5ª fase: execução da política económica escolhida;
6ª fase: avaliação dos resultados

Isto é: as medidas de política económica devem ser previamente preparadas com cuidado (o "planeamento" da política económica), nomeadamente através de um bom conhecimento da realidade e do estudo dos efeitos de medidas alternativas (construção de cenários). E para saber determinar estes efeitos é preciso estudar, saber quais são as ligações (os 'linkages') existentes entre variáveis e agentes económicos (sim, isto da economia é como um cesto de cerejas...). Só depois é possível actuar. Decisões mal informadas são, quase sempre, más decisões... E dá-me a sensação que há por aí muita gente que não está a fazer o TPC (trabalho de casa) como deve ser...

Um exemplo é o da decisão de comprar arroz no mercado internacional e distribuí-lo a preço subsidiado.
Dá a impressão que só se pensou no (muitíssimo) curto prazo e não se tomaram em consideração os efeitos a médio e longo prazo. E ainda menos se estudou a possibilidade de existência de medidas alternativas e com menores custos.
Subsidiar um preço de um bem importado tem como consequência que os produtores nacionais são prejudicados, principalmente se, como é o caso em Timor, eles tendem a vender o seu arroz a preços mais altos que o arroz importado e vendido no mercado sem subsídio.
O resultado é que os produtores nacionais estão a queixar-se de que têm dificuldade em escoar o arroz que produzem devido ao facto de o mercado (quase) só absorver arroz subsidiado pelo Governo.
Não havia alternativas? Claro que havia e com menos custos. Por exemplo a de distribuir a cada família uma certa quantia de dinheiro (transferência em dinheiro; cash advance) que ela usaria para adquirir o que quisesse, particularmente o arroz. Os cerca de 15 USD que constituem o subsídio por saca poderiam ter sido entregues mensalmente, em dinheiro, a cada família timorense. Na prática isto constituia uma redução do preço do arroz mas o consumidor ficava com a opção de comprar arroz importado ou arroz nacional. E era bem bom se optasse por este último. Assim...

Outra alternativa era, se se queria subsidiar o consumo, faze-lo em menor grau do que foi feito para não prejudicar tanto os produtores nacionais e usar o diferencial para apoiar a agricultura nacional, nomeadamente os produtores de arroz. De facto e quase por princípio (que tem algumas excepções), devem ser evitados os subsídios ao consumo e a serem usados subsídios, devem se canalizados para a produção.

Um outro aspecto que não se teve em conta foi o das consequências a médio-longo prazo daquele subsídio. Para além de ter de haver, desde o início, não só uma estratégia de "entrada" no sistema de subsídios ao consumo mas também uma estratégia de "saída" (já pensaram nisso?), é necessário ter em consideração que o subsídio a um preço distorce a informação que este dá aos consumidores. Deixar subir o preço do arroz era uma mensagem aos consumidores de que têm de alterar o seu padrão de consumo, consumindo menos quantidade de arroz (nomeadamente importado) e maior quantidade de produtos alternativos/substitutos, de preferência de produção nacional.
E aqui somos levados a uma última referência (isto já vai longo...): a de que é necessário URGENTEMENTE definir uma política alimentar em perfeita articulação com a política agrícola e de desenvolvimento rural. A realidade é complexa e como tal tem de ser encarada; e isto exige estudo da situação (o diagnóstico da realidade) e a articulação de várias políticas entre si, em vez de se tomarem decisões mais ou menos avulsas, sem obedecerem a uma estratégia bem programada e melhor implementada.

1 comentário:

Anónimo disse...

Parabéns, Professor!.

O planeamento está em crise, precisa de ser chamado à mesa de trabalho. A cultura do "dia a dia" tem que ser morta rapidamente.

Um Abraço,
JDS