No relatório apresentado à Comissão "C" do Parlamento Nacional e que acompanha o projecto de lei dos estatutos do Banco Central de Timor-Leste apresentado por deputados do Parlamento Nacional pode ver-se que a solução defendida pelo Governo é diferente da que consta do projecto original.
Neste, "o Banco [Central] não deverá conceder créditos directos ou indirectos ao Governo ou qualquer outra agência pública ou entidade detida pelo Estado à excepção dos créditos intra-dia para assegurar o fundionamento dos sistema de pagamentos", o qual "deverá ser pago antes do final do mesmo dia". Isto é e na prática: proibe-se a concessão de crédito ao Governo.
Pelo contrário e chamando a atenção para o facto de ser uma prática corrente noutros bancos centrais --- tal como a outra, aliás, que corresponde às "boas práticas" mais usuais ---, na proposta do Governo o Banco Central "pode conceder créditos ao Governo por períodos que não excedem [devia estar "excedam"] os noventa dias, cobrando as taxas de juro praticáveis [não deveria ser "praticadas (no mercado monetário)"?] em Timor-Leste".
Ainda que esta concessão de créditos apareça limitada no ponto seguinte a "5% da média anual das receitas ordinárias do Governo para os três anos financeiros precedentes", a verdade é que, como se disse, esta não corresponde às "boas práticas" mais generalizadas hoje em dia. E há razões estritamente económicas para ser assim (i.e., para não ser autorizada a concessão de empréstismos ao Governo).
Mesmo que, a manter-se o recurso às receitas petrolíferas, seja pouco provável que este pedido de empréstimo pelo Governo se venha a verificar, a verdade é que a proibição da sua concessão se baseia num duplo princípo teórico-prático:
i) por um lado, o de que ao emprestar ao Governo o Banco Central está a criar dinheiro novo, moeda, e, por isso, a aumentar (mesmo que limitadamente) a massa monetária, com a consequente pressão para a subida dos preços (inflação); e,
ii) por outro, que numa situação em que o banco central é, de facto, o emprestador "de último recurso" dos bancos comerciais, ao emprestar ao Estado está, pelo menos potencialmente, a limitar as disponibilidades para financiar a banca comercial, i.e., o sector privado nacional, assim se prejudicando este em benefício do Estado/sector público --- até porque, naturalmente, aquele acabará por ter de vir a pagar taxas de juro mais altas se o Governo aparecer a contrair empréstimos e assim "secar" parcialmente o crédito disponível.
Assim, o que se pretende nas "boas práticas" mais modernas é que o Governo, se precisar de financiamento, se apresente no mercado como outro qualquer cliente --- de preferência, até, no mercado internacional desde que tenha cuidado com os níveis de dívida pública ao exterior --- e pague as taxas de juro praticadas no mercado --- e não as taxas "praticáveis", como se diz na proposta de alteração do projecto de lei.
No caso de Timor Leste há ainda um problema suplementar (pelo menos até agora...): quais são as taxas de juro "praticadas"? A verdade é que não existe um mercado interbancário em funcionamento --- os bancos comerciais têm excesso de liquidez e por isso não precisam de se financiarem nem junto de outros bancos nem junto do banco central. Assim sendo, qual a taxa a praticar nos empréstimos do Banco Central ao Governo.
Mais: só um ingénuo pensará que a relação entre banco central e Governo é/será --- pior ainda se forem aprovadas algumas das propostas do Governo --- uma relação de perfeita igualdade de poder negocial entre as duas partes...
Enfim, também aqui cremos que as "boas práticas" são as que constam do projecto de lei proposto pelos senhores deputados e não as que constam das propostas do Governo. E que aquelas "boas práticas" são as que, sob o ponto de vista estritamente económico, são mais defensáveis.
Voltaremos!... :-)
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