sábado, 19 de fevereiro de 2011

"Continuação do capítulo anterior" ou a história dos 3 "chapéus" usados por um banqueiro central

Na "entrada" anterior chamámos a atenção para a importância ECONÓMICA da independência do banco central em relação ao poder político de modo a que possa gerir as políticas monetária, financeira e cambial da forma que melhor sirva os interesses da gestão da economia e do crescimento equilibrado da mesma no longo prazo.

Uma nota que deve ficar bem clara, mais uma vez, é a de que é essencial, no entanto, que haja mecanismos de articulação, coordenação entre estas políticas e as demais, nomeadamente a política orçamental. Mais, deve ficar bem claro que o facto de haver independência do banco central --- no que toca à definição e implementação das políticas pelas quais é responsável --- não deve ser entendido como o primeiro passo para haver conflito entre este e o Governo ou o Parlamento. Ora parece que em algumas propostas em debate é isso que se teme. Nada de mais errado!

O Governador de um banco central é, ele próprio, um cidadão do país e é nomeado para o cargo pelo poder político e por isso passa a ter uma legitimidade própria que, não lhe tendo sido outorgada directamente pelo voto popular, deriva dele pois são pessoas/instituições eleitas pelo povo quem o nomeia.

Mais. Há uma história deliciosa que corre nos meios dos bancos centrais e que diz bem do espírito que deve presidir à acção de um "banqueiro central" e, por consequência, a própria instituição que dirige.
Essa história sobre o uso pelos "banqueiros centrais" e "seus" bancos de três "chapéus" refere as características do comportamento de um banqueiro/banco central. Como se poderá verificar, dificilmente haverá que temer que este se vire contra "os superiores interesses do país".

Transcrevemos abaixo essa história na versão que nos foi passada pelo antigo director-geral da ABP, Luís Quintaneiro, a quem agradecemos:

"Um responsável de um banco central deve saber usar adequadamente os seus “três chapéus”:


Por um lado deve ter as capacidades de um “académico”: deve saber usar o arsenal teórico desenvolvido pela ciência económica para entender o comportamento da economia e antecipar as suas tendências de modo a “desenhar” a política económica não de acordo com a realidade presente mas sim tendo em conta os previsíveis desenvolvimentos futuros.

Por outro lado deve ser um “banqueiro”, isto é, deve ter a percepção das motivações e do comportamento das instituições bancárias que estão sob a sua supervisão, de modo a permitir que se desenvolvam novos instrumentos que sirvam simultaneamente os bancos e os seus clientes, mas que paralelamente impeça práticas não concorrenciais, abusivas ou que causem distorções do mercado. Também deve ter os “instintos” de um banqueiro nas áreas de actuação do banco central que tenham mais semelhanças com a actividade da banca comercial, como a gestão das reservas cambiais ou de fundos sob a sua gestão, bem como a gestão dos sistemas de pagamentos.

Por último deve ter a ética de um “civil servant”, lembrando-se a cada momento que a sua acção deve ser norteada pelo interesse público e que uma instituição com as características de um banco central tem acima de tudo a missão de assegurar que esse interesse público prevalece sobre quaisquer outros interesses. Recorde-se que a estabilidade monetária e a confiança do público no sistema bancário são “bens públicos” de que o banco central deverá ser o guardião"

Entendidos?

PS - uma nota final apenas para esclarecer, da forma mais simples possível, o significado de "bem público": o ar, a água, as estradas mas também a estabilidade política e económica são "bens públicos" na medida em que, não sendo "propriedade" de ninguém, beneficiam, pela sua simples existência, o bem estar da sociedade. Assim, a "estabilidade monetária e a confiança do público no sistema bancário" são bens públicos exactamente porque ajudam a garantir a estabilidade do crescimento económico do país. É para isso que é necessária a independência dos bancos centrais.

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