quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

À política o que é da política, à economia o que é da economia...

Antes de escrever quanto se segue devo, mais uma vez e AGORA POR MAIORIA DE RAZÃO, pedir ao leitor que releia o "aviso" que figura aqui ao lado sobre a independência com que escrevo estas notas. Mesmo o que se vai seguir, que diz directamente respeito à entidade a que estou ligado profissionalmente neste momento em Timor Leste --- a Autoridade Bancária e de Pagamentos --- deve ser visto neste quadro pois SÓ A MIM RESPONSABILIZA e não a ABP, representada em todas as circunstâncias pela sua Administração e não por mim --- claro!

Vamos então ao que me traz aqui.

Ao fim de um longo processo de gestação e de avanços e recuos em direcção à sua aprovação pelo Parlamento Nacional, foi ontem aprovado na generalidade o projecto de lei apresentado pela bancada da FRETILIN sobre o estatuto do "Banco Central de Timor-Leste". A proposta foi remetida para discussão na comissão da especialidade acompanhada de um parecer da deputada Maria Paixão da Costa. Deverá depois regressar ao plenário para aprovação. Esta proposta, deve esclarecer-se, é "herdeira directa" de uma que a própria ABP tinha feito ainda no tempo dos governos anteriores.

Neste parecer figuram várias propostas com origem no Governo para alteração da proposta inicial . É, para já, sobre um dos pontos que gostaria de dizer aqui qualquer coisa que se prende, muito directamente, com um dos aspectos mais relevantes de qualquer estatuto de qualquer banco central --- com poucas excepções, acredito. Trata-se do problema, verdadeira pedra basilar de qualquer estatuto e de qualquer banco central, da sua independência face ao Governo.

A "boa prática" internacional é a de assegurar essa independência POR RAZÕES ECONÓMICA, ainda que também, em parte, por razões políticas --- que se ligam, por fim, com as razões económicas.
A razão económica é o facto de com essa independência do banco central se pretender assegurar --- ou assegurar o mais possível --- a independência entre a definição da política fiscal/orçamental (a cargo do Governo) e a da política monetária e cambial (que deve estar ao cuidado do Banco Central).
Essa independência é como que a garantia de uma vigilância mútua entre ambas as políticas e, principalmente, de que a política monetária tem instrumentos para contrabalançar os "excessos" quantas vezes cometidos pelos "políticos" ao adoptarem os orçamentos anuais. Note-se que o que fica dito é-o em sentido genérico e NÃO tem nada a ver com o que eu possa pensar ou deixar de pensar com a actual política orçamental.
Por outro lado, a independência do banco central face ao governo e ao Ministério das Finanças tem também uma vantagem: a de que se existir instabilidade política num país, com "demasiadas" alterações da orientação da política orçamental, há pelo menos uma entidade (o banco central), usualmente com um perfil essencialmente técnico e não político, que pode ser essencial para assegurar uma certa estabilidade do comportamento da economia. Assim melhorando o desempenho desta.

Ora o que vimos nós na proposta que subiu à comissão "C"? A redacção do artigo 5 passará a ser, se for aprovada a proposta do Governo, como segue: "O objectivo primário do Banco é atingir e manter a estabilidade interna dos preços e [aqui é que começa o busílis...] é co-responsável com o Governo por definir e implementar a política financeira e monetária, aprovada pelo Parlamento Nacional".

Mas então onde fica a ideia da independência do Banco Central? Em lado nenhum, claro! Curiosamente, o BC, na sua função de definição e implementação das políticas monetária, financeira e cambial, passa a ficar dependente não só do Governo MAS TAMBÉM DO PARLAMENTO. O Parlamento, um órgão eminentemente político, a ditar as regras da política monetária e financeira (e cambial)?!...

Note-se que não está em causa a necessidade de haver algum tipo de articulação entre as várias políticas (orçamental e monetária, principalmente) mas "articulação" é uma coisa (boa); dependência e co-responsabilidade, são outras (más).

Para contraposição vejam-se alguns exemplos retirados de estatutos de outros bancos centrais da região (Sudeste Asiático) para se perceber a que distância se está das referidas "boas práticas" internacionais:

Banco Central da Indonésia:



Banco Central da Malásia:


Banco central de Singapura (MAS):


Estes são alguns exemplos que nos parecem merecer atenção, qualquer deles apontando no mesmo sentido da proposta que foi submetida ao Parlamento Nacional e em sentido contrário à proposta do Governo.
Podem ter a certeza: a independência do banco central compensa! Economicamente falando.

1 comentário:

Migas disse...

Professor,

Cada vez se tem menos certeza se é ou não uma boa prática a total autonomia do Banco Central, nomeadamente depois de se ter visto qual foi (ou não foi) o papel do BCE, do Banco de Inglaterra ou da Reserva Federal Norte-Americana que levou à crise de 2008 e que ainda não acabou...

A economia em de estar ligada à política, e deixar esta sozinha, tipo mão invisível já vimos (várias vezes) o resultado que dá. No caso do nosso país, admito que sempre é melhor ficar sozinha do que governada por aqueles filhos de puta ruim (Gil Vicente) que por lá andam.

Dito isto, o Artigo 143.º da Constituição de Timor-Leste diz que o Estado deve criar um banco central nacional co-responsável pela definição e execução da política monetária e financeira.

Ora se a Constituição diz isto, como é que se vai depois na Lei ordinária dizer que o Banco será o único responsável? Parece que poderá haver problemas de constitucionalidade material evidente.

Cumprimentos,

Miguel Folgado Moreno