domingo, 8 de março de 2009

Bons conselhos, conselhos assim-assim e (alguns) maus/menos bons conselhos...

É conhecida de todos que, muito provavelmente, a principal lacuna de Timor Leste em termos dos "ingredientes" com que se "cozinha" o desenvolvimento é a falta de capital humano --- leia-se "pessoal tecnicamente qualificado em quantidade e em qualidade e nas mais diversas áreas do conhecimento científico e técnico, incluindo nas suas aplicações práticas".

A "desgraça" é mais ou menos uniforme na grande maioria das referidas áreas mas uma das mais importantes para assegurar um processo equilibrado de desenvolvimento é a falta de quadros técnicos qualificados quer sob o ponto de vista académico quer sob o ponto de vista da prática na área económica. A meia-dúzia (tantos?!...) de nomes que poderia indicar e que constituem o "crème de la crème" do país nesta área são apenas as excepções que confirmam a regra.

Por isso é tão importante o papel dos técnicos estrangeiros que, de uma forma mais permanente ou apenas esporadicamente, com longo conhecimento da economia e da sociedade timorenses ou com pouca experiência destas, colaboram com Timor Leste.

Vem isto a propósito do último comunicado do Conselho de Ministros em que se dá conta da presença, numa sua reunião do passado dia 4, do Prof. Haziz Pasha, do Paquistão, académico e economista "prático" conhecido no seu país e na Ásia por ter desempenhado funções dirigentes no escritório regional do PNUD, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, e ter sido Ministro das Finanças.

Tive a oportunidade de conversar com ele sobre alguns aspectos da economia de Timor Leste e, depois, de assistir a uma conferência pública que ele deu no ginásio da Universidade. Desta última e de um ou outro aspecto de um relatório não publicado que ele elaborou é dada conta na edição de Setembro da Newsletter publicada pelo escritório do UNDP em Dili. As imagens abaixo são dessa publicação e por elas se pode tomar conhecimento do essencial das sugestões que ele deu após uma visita de muito curta duração (clique na imagem para a aumentar e tornar legível o texto --- em inglês).


Não é este o local para comentar, ponto por ponto, os aspectos referidos mas permito-me salientar 2 ou 3 pontos (de natureza diferente) que chamaram a minha atenção.

Sem que tal ponha em causa o CV do Prof. Pasha e as suas qualidades técnicas e humanas --- era o que faltava!... --- chamou a minha atenção um aspecto de que ele não tem qualquer "culpa no cartório", antes sendo da responsabilidade do UNDP e da ONU em geral: a "mania" de que levar ao país A ou B um nome "sonante" durante uma semana ou dez dias é relevante para o futuro do país. Por melhor que seja o técnico convidado dificilmente pode ir além da superfície dos problemas, correndo o risco de muitas das suas recomendações serem um conjunto de ideias "déjà vu" e/ou mais ou menos do tipo "elementar, meu caro Watson!...". Mais uma vez: o que fica dito não põe em causa a contribuição do Prof. Pasha, antes sendo uma chamada de atenção do leitor mais desprevenido para uma prática (da ONU e suas agências) que nos parece pouco produtiva. As prateleiras dos ministérios de vários países estão cheias de relatórios destes consultores que muitas vezes nem são lidos... por quem os saiba ler.

Uma outra consequência desta metodologia é a de que (acredito eu) por vezes o que transparece para o público não reflecte inteiramente o que se passa nas conversas no aconchego de quatro paredes. Não estou a dizer que é este o caso presente mas, "penso eu de que", é natural que haja sempre algum cuidado por parte deste tipo de convidados especiais em, nomeadamente em público, não parecer mal educado em casa de quem nos convida... Além de que é também natural que em certos comunicados de imprensa se "esqueçam" de citar alguns aspectos mais "críticos" dos conselhos dados.

Tudo isto não impede que, dada a generalidade com que muitas das ideias são apresentadas, eu esteja de acordo com uma grande parte do que o Prof. Pasha defente. Mas isso, exactamente devido à sua generalidade, não é grande coisa... Provavelmente a esmagadora maioria dos leitores estarão também de acordo em que é necessário desenvolver mais o sector privado, em que há que procurar alcançar o essencial dos "objectivos do Milénio", etc. O "probrema" não é estar de acrodo com isto ou não. O problema é saber qual o decreto lei que tem de ser assinado para conseguir isso... Dizer que queremos ir para Roma é fácil; o difícil é apanhar a estrada certa...

Finalmente, há dois aspectos relevantes em qualquer política económica que ou não são referidos no texto ou são-no de uma forma que considero menos fundamentada --- o que poderá ser meio caminho andado para uma recomendação "desconseguida"... :-)
Um dos aspectos é o da política em relação ao comércio internacional, nomeadamente quanto às taxas aduaneiras e ao grau de protecção/desprotecção da economia nacional face às demais. No texto divulgado não há referências a este aspecto importantíssimo. Mas admito que ele foi abordado (em que sentido?) na reunião do Conselho de Ministros do passado dia 4 de Março.

Finalmente, o segundo aspecto fundamental é o da política monetária e cambial. Neste domínio é pena que o autor defenda a emissão de moeda própria por Timor Leste sem justificar minimamente (pelo menos no que foi tornado público) a sua opção. A referência ao facto de que o banco central deveria ser independente e ter os instrumentos para controlar a inflação não são mais que o receituário usual; basta ler 99,9% dos estatudos dos bancos centrais desse mundo fora, quase todos eles cópia uns dos outros neste domínio. No limite, os estatutos da ABP dizem pratiamente isso mesmo... So what?
Mas... se a inflação num país for fundamentalmente "importada" através dos preços das importações (incluindo os combustíveis, o arroz, etc) servirá de muito o banco central ter instrumentos de luta contra a inflação? E em Timor a inflação é essencialmente interna ou importada? Não vemos resposta a isto. E se for interna, é por "culpa" de quem? Do banco central que põe (desnecessariamente...) demasiado dinheiro a circular ou de quem passa cheques a mais por ter uma conta bancária choruda?!...

E qual a política cambial a adoptar uma vez decidida a criação de uma moeda nacional? O problema não é criar uma moeda própria e mandar imprimir uns papelinhos bonitinhos a que se dá o valor "x", "y" ou "z" mas sim dizer quanto vale essa moeda face às demais e, principalmente, dizer como "administrar" esse valor. E sobre isto... silêncio! O problema é que este assunto é tão, mas tão, importante que se deveria evitar meter "caraminholas" na cabeça das pessoas sem ter a certeza, de certezinha feita, do qual deve ser o caminho.

PS - escusado será dizer que se aplica aqui o alerta que está aí ao lado: eu sou o único responsável pelo que escrevi. Tá?

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