Interrompo o jejum de fazer comentários sobre a situação económica de Timor Leste porque recentemente surgiu uma polémica sobre se a taxa de crescimento do país em 2008 foi ou não de cerca de 12% e como se explica aos 50% de pobres do país que houve um tão rápido crescimento sem que ele tivesse contribuído (aparentemente, pelo menos) para a redução da pobreza.
Primeiro aspecto: a taxa de crescimento. No debate parece que todos acusam o governo de ter mais ou menos "inventado" aquela taxa, não correspondendo ela à verdade dos factos. Na verdade não foi o Governo que a "inventou". Ela resulta, isso sim, de cálculos efectuados pelo FMI e que foram agora divulgados no seu relatório do Artº IV a que já nos referimos. Na página do relatório que divulgámos lá está ela escarrapachada.
A questão que se pode colocar é, portanto, como é que o FMI chegou até ela.
Estas taxas são o resultado de cálculos no âmbito da determinação das chamadas "contas nacionais" e que levam, nomeadamente, à determinação do Produto Interno Bruto (PIB) e de outros agregados.
Diz a teoria que há três perspectivas pelas quais se pode olhar para o mesmo "objecto" que é o PIB: a óptiva da produção propriamente dita --- tantas batatas, tanto café, tantos litros de tua mutin, etc ---, a do rendimento --- pressupõe-se que no acto de produção se geram salários, lucros, rendas e lucros --- e, finalmente, a óptica da despesa --- os rendimentos obtidos são gastos em "C" de consumo das famílias, "G" de consumo do Estado, "I" de investimento e "X" de exportações, sendo necessário "descontar" à soma de tudo isto as produções feitas no exterior, isto é "M" de importações.
Os documentos do Fundo não esclarecem que método foi utilizado --- o qual é mais ou menos indiferente porque todos eles deverão dar o mesmo resultado --- mas o mais provável é que tenha sido usado o método da despesa por ser aquele para que existem mais estatísticas disponíveis.
Mas a verdade é que seria bom se se soubesse mais sobre a forma como os cálculos foram efectuados, o que não é o caso. A maior transparência neste domínio ajudava a todos e contribuiria para minimizar os custos de debates mais ou menos estéreis.
Mas afinal, perguntará o leitor, o crescimento foi mesmo de 12% em 2008? É muito provável que, se não foi, tenha andado lá muito perto. Por isso e na falta de uma contabilidade nacional "alternativa" --- nomeadamente com origem no sistema estatístico nacional de Timor Leste mas, "apesar disso" independente por obedecer aos critérios internacionalmente estabelecidos ---, teremos de usar as estimativas do PIB elaboradas pelo Fundo e suas taxas de crescimento.
Fundo esse que não é infalível, apesar de muitos pensarem que sim. Daí a conveniência em, URGETEMENTE, o sistema estatístico nacional ser preparado para elaborar as Contas Nacionais. A presença, mais ou menos temporária, de um ou outro consultor internacional não resolve o problema.
Mas em que é que isto se liga à questão da pobreza? É que, naturalmente, ela só será reduzida se for possível manter um ritmo de crescimento elevado no país --- o que não significa que tenha de ser de 12% "sempre", já que tal se afigura quase impossível (embora os chineses nos tenham ensinado que os "impossíveis" são mais acima do que julgavamos...).
Mas com uma taxa de crescimento anual da população de 3,2% --- Ai Maromak!... --- é claro que uma redução significativa da taxa de pobreza só pode acontecer a partir de taxas de crescimento do prodtuto que não andem muito longe dos 7-8%. O que não é fácil...
Por fim, uma nota que mais que justifica o título desta 'entrada'. Vejo muita gente preocupada com a alegada subida da taxa de pobreza de 41% em 2001 para 50% em 2007, data do último inquérito à situação económico-social das famílias timorenses.
Não acompanhei de perto a realização deste inquérito mas pude acompanhar "quase por dentro" o de 2001. E já na ocasião fiquei com a ideia de que a taxa de 41% era uma subavaliação da realidade. O que faz com que, admitindo que tenha havido um agravamento da situação --- com os altos e baixos da situação económica e política entre 2001 e 2007 não admira que assim tenha acontecido ---, ele não terá sido tão grande como parece ao olhar para as taxas de pobreza divulgadas para um e outro ano.
Mas isso para mim não é o mais importante. O mais importante é que seja ela de 41% ou de 50%, tal não altera em quase nada a política económica que há que implementar. Pessoalmente a minha preocupação com o assunto não se altera nem um pouco --- embora não possa deixar de estar atento ao sentido, mais que ao valor absoluto, da mudança.
Finalmente (agora sim!) uma chamada de atenção para o facto de a maior percentagem de pobres se encontrar, como seria de esperar, no mundo rural. E aqui, há que reconhecer, está quase tudo --- ou, pelo menos, muuuuuuitooooo --- por fazer. Quem duvida que venha até às montanhas de Timor com olhos de ver... O "urban bias" tão conhecido desde que Michael Lipton falou dele há já tantos anos aí está aos olhos de todos.
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