(Declaração de interesse: eu próprio um consultor "intermitente" em Timor Leste desde 2001, poderei, por alguns, ser considerado como 'parte interessada' e, nesse sentido, um observador parcial, não isento, dos factos abordados abaixo. Não é esse o caso. O que fica escrito tem apenas como pano de fundo a minha própria experiência e o que sei da de outros e dos padrões de remunerações praticados no sistema das Nações Unidas)
Inesperadamente tive a possibilidade de ter conhecimento mais directo dos montantes em causa em vários dos famosos contratos de assessores com o Ministério da Finanças. Face aos valores que vi fiquei com a impressão de que eles não fogem --- repito: não fogem --- significativamente ao que é comum ver como vencimentos pagos a pessoal especializado no contexto das missões da ONU. É também conhecido de todos que o Banco Mundial tem tendência a praticar uma tabela de pagamentos um pouco acima dos padrões da ONU. Assim sendo...
É evidente que são salários que se poderão classificar razoáveis ou bons mas duvido que alguém, com um mínimo de conhecimento de causa, os possa classificar como "principescos", escandalosos. Quem usa este tipo de "epítetos" está completamente "por fora" da prática corrente neste "mercado internacional da consultoria", nomeadamente dos padrões de vencimentos das organizações do sistema das Nações Unidas.
É populismo puro e simples comparar estes vencimentos com os da média dos cidadãos timorenses. Os consultores não o são e têm, a grande maioria deles, a sua vida organizada nos seus países de origem.
Mais: quem se dedica a esta actividade como profissão está sujeito ao ciclo de vida dos projectos e, por isso, pode trabalhar 1 ano, dois anos, mas depois pode ter de esperar vários meses ou mesmo anos, até que lhe apareça outro projecto, outro contrato. Claro que tudo isto é tomado em consideração no momento da negociação para fixar a remuneração. Tenho amigos e ex-alunos meus, alguns com experiência de trabalho em Timor, que estão neste momento desempregados à espera que surja um novo projecto algures aqui ou acolá... E há até quem se tem "safado" mas à custa de andar "atrás dos problemas": do Timor da época mais "pesada" ao Darfur e agora... no Afeganistão!
Isto para não flar de casos um que um conjuge está num país e o outro noutro, quase no outro lado do mundo...
Eu próprio já fui convidado para posições "realmente bem pagas" mas como me considero (e sou) acima de tudo um professor universitário e tenho a minha vida organizada em Portugal, não pude aceitar as ofertas que me fizeram.
Mais: embora disso ninguém a não ser eu próprio tenha "culpa", a minha carreira académica acabou por ficar prejudicada pela minha opção de trabalhar em Timor (já lá vão cerca de quatro anos nos últimos oito...). Não me queixo e hoje voltaria a fazer a mesma opção, mesmo sabendo as consequências em termos de carreira e do que a ela está ligado (remuneração permanente, pensão de reforma). Coisas da idiossincrasia de cada um; deu-me muito mais "gozo" trabalhar em Timor, conhecer o Vô Serra e tantos e tantos timorenses (um abraço, GS, um abraço, JT, um abraço, BR e muitos outros!) e viajar pelas montanhas do país do que ter uma vida "simplesmente" académica, qual "'economista do desenvolvimento' de secretária"... Feitios!... :-)
Ainda voltando às remunerações, na fixação do seu montante há ainda a considerar o nível salarial do assessor no país de origem. Por exemplo, um cidadão da União Europeia está hoje, comparativamente com a situação da sua remuneração em dólares há cerca de 5 anos atrás, em muito piores condições que então devido à desvalorização do dólar face ao Euro. Provavelmente ganha hoje menos cerca de 25 a 30% do que já ganhou...
Enfim e moral da história: acho que na discussão do assunto há muita falta de informação sobre o que se passa neste mundo específico da consultoria internacional. Talvez esteja na hora de alguém, do Governo e/ou do Banco Mundial, "dar a cara" e explicar, "na ponta do lápis" e com frontalidade o que se passa.
Uma nota final: tudo o que fica dito pressupõe que o cliente não está a comprar gato por lebre. Isso é outro assunto e não tenho dados para o abordar. Ainda bem... :-) Tal como é outro assunto a referência a eventuais favorecimentos na contratação dos consultores: não sei nem quero saber...
PS - sinceramente, no que vi, chamou-me mais a atenção a quantidade de contratos/contratados que as verbas envolvidas em cada um dos contratos individualmente considerados. E, claro, constatar que houve um "Advisor on Attitudes and Behavior"... Curiosamente dos mais bem pagos senão mesmo o mais bem pago!
4 comentários:
O título desta entrada também poderia ser: "porque não me sinto acossado?"
Professor, era escusado colocar-se como exemplo...
Cada caso é um caso. As pessoas devem é ter consciencia que têm que se pagar a si próprias.
Se um adviser que trabalhe durante um ano e ganhe meio milhão de dolares por esse trabalho, e conseguir gerar, sob forma de poupança rendimento ou outra, 5 milhões nos anos seguintes é bem pago.
Agora se o mesmo trabalha 5 anos e ganhe 2,5 milhões sem que, quer durante esse tempo quer no futuro, consiga gerar para o Estado esse montante, então é claramente um erro que pode até ter efeitos contrários aos pretendidos, vulgo prejuízos...
Será que as avaliações de desempenho averiguam esta questão?
Caro anónimo,
Agradeço-lhe a elevação com que trata o assunto. Porém, não me senti, sinto ou sentirei acossado neste assunto.
Teria sido (eventualmente) mais fácil se, estando na situação em que estive, tivesse "assobiado para o ar" e não mencionasse o assunto nestas minhas 'entradas'.
O meu objectivo foi apenas chamar a atenção para alguns dos determinantes da fixação das remunerações dos assessores.
Mas também sei que neste domínio é "facilíssimo" vender gato por lebre. No fundo é a isso que se refere no seu comentário.
Timor Leste e os seus assessores não escapam à regrar e tal como haverá algumas "lebres" também haverá alguns "gatos" --- no meio de tantos "coelhos".
Mas não tenho dados objectivos para entrar por aí. Mas sei que o problema existe. Em Timor.
É por isso que fará sentido compreender-se como as "coisas" acontecem.
Até porque se se levar muito longe o raciocínio que presidiu à contratação de tanta gente podemos começar a pisar terrenos sensíveis. Alguns serão mesmo tentados a perguntar se o país estaria preparado para ser independente. Claro que não quero ir por aí.
Acho que a questão aqui não é propriamente se os assessores ganham muito ou pouco. Para o cidadão comum de qualquer país, esses assessores hão-de sempre ganhar demasiado, mas, repito, não é essa a questão.
A questão que merece reflexão é se esses assessores merecem o dinheiro que ganham, ou seja, se são de facto bons naquilo que fazem. Melhor ainda, se o país vai ter algum benefício palpável por eles serem eventualmente bons naquilo que fazem.
Como diz o comentador das 12:26, nada como impor objetivos, pois desta maneira podemos ter um sinal indelével de que o trabalho foi ou não bem feito. Se os resultados corresponderem às expectativas, então os objetivos foram alcançados com sucesso e o assessor vale o que ganha. Se não foram...
Outra questão a esclarecer é, como aponta o Prof. Serra, se eram precisos tantos. Importa também fazer uma avaliação contínua, que consiste em saber o que está cada um deles a fazer a cada momento. É que entre o antes e o depois dos resultados, também existe o "durante"...
Finalmente, peço ao Prof. Serra que não se cale, pois felizmente é dos poucos que se atreve a falar sobre estes assuntos. "Parciais" somos todos, a não ser que fôssemos descerebrados.
Caro H. Correia,
Obrigado pelos seus comentários.
Não se trata de "calar" ou não "calar" embora compreenda o sentido quem usa a expressão. Como disse desde o início (vd. a introdução deste blog ma sua coluna esquerda) o que me interessa é debater os assuntos com o máximo de isenção e de bases científicas(?) que é possível. Confesso, por isso, que sou "culpado" de pensar que este é um "serviço público" para ajudar as pessoas a pensarem... Sem cores clubísticas, de preferência! Manias!...
Enviar um comentário