Tendo por base a informação sobre os contratos divulgada pelo "Tempo Semanal" de 24 de Abril passado resolvi elaborar um pequeno quadro-resumo (ver abaixo; clique para aumentar) e olhar para ele para ver se se pode dizer mais qualquer coisa do que se tem dito (por razões óbvias omiti os nomes pois este é um assunto que não deve ser pessoalizado). A coluna final é a que consta do contrato como o valor global dele e inclui a remuneração, o per diem para alojamento e alimentação (normalmente 2200 USD/mês) e outros "benefícios" (transporte, seguro).
Qualquer leitor notará algo que já tem sido muito comentado: o número ("inesperadamente") grande de assessores australianos comparativamente com os de outras nacionalidades.
Claro que muitos notarão também os vencimentos elevados praticados em vários casos mas uma análise mais profunda e correcta da "justeza" ou não desses salários só pode ser feita perante um conhecimento do CV de cada um, quer em termos das suas habilitações académicas para os cargos a desempenhar quer em termos de experiência profissional --- e de "ciência de experiência feita" --- quer em termos do seu desempenho efectivo.
Como disse noutra 'entrada' os níveis remuneratórios praticados tomam em consideração vários factores e julgar se é "muito", "pouco" ou o "preço justo" é algo que exige mais informação do que a que está disponível.
Neste domínio fiz uma experiência com as taxas de câmbio: um dos consultores australianos tem uma remuneração de 11.500 USD/mês. Feita a conversão em dólares australianos à data do contrato a sua remuneração era, na moeda do seu país, de 17.535 AUD. Hoje, porém, devido à alteração da taxa de câmbio ele recebe... 15.253 AUD; i.e., entre Novembro/08 e Maio/09 (seis meses) "perdeu" 13% da remuneração incialmente contratada.
Claro que há alguns casos que chamam mais a atenção que outros --- a do consultor em "attitude and behavior" foi, para mim, um verdadeiro "achado" pelo nível da remuneração e pela duração (ridiculamente pequena) do contrato... --- e os leitores já terão dado por eles, certamente. Não quero "pessoalizar" a abordagem do tema e creio que o que mais interessa é ver a floresta, mais que cada árvore individualmente considerada. A não ser que ela destoe "absurdamente" da paisagem e sobressaia, "pela negativa", do conjunto que é a floresta. Como parece ser um ou outro caso.
Da listagem de 43 contratos divulgados, há 25 que foram efectuados com cidadãos australianos (quase 60%). Sendo o Banco Mundial uma organização "mundial" é de estranhar esta tão grande concentração de contratos num único país. Será que o Banco anda a fazer discriminação entre as cores dos passaportes? Esta é uma perspectiva que não é irrelevante...
Outro indicador de um outro tipo de possível --- e sublinho muitas vezes a palavra "possível" --- discriminação (esta bem mais grave que a outra...) é o facto de ser nítido que os níveis salariais de cidadãos de determinados países são mais baixos que os da maioria. Claro que haverá várias razões para isso, nomeadamente as diferenças de qualificações, as diferenças de funções desempenhadas, etc, etc, etc. Mas que me chamou a atenção, chamou...
Isto é: parece-me que nesta história (se é que há alguma 'história') o Banco Mundial parece ter tantas ou mais informações (justificações?) a dar como o MinFinanças, a quem muitos se têm atirado "como gato a bofe"...
O gráfico acima corresponde apenas a uma parte dos contratos: aqueles em que o que está em causa é uma permanência maior --- normalmente 12 meses --- e uma remuneração mensal e não por dia de trabalho. Dos 31 contratos de longo prazo 18 são com australianos e os restantes 13 distribuem-se por vários países, nomeadamente 4 cidadãos das Filipinas, 2 do Bangladesh, dois da Índia e um do Camboja, outro da Holanda, um do Quénia e outro de Portugal. Há ainda um cidadão timorense que, beneficiando da dupla nacionalidade, efectuou o contrato como cidadão português.
Este último caso merece uma referência mais cuidada não pela pessoa em si mas sim pelo problema que levanta indirectamente (porque não é esse o caso): o de cidadãos timorenses, espalhados basicamente pela Austrália e por Portugal, e que têm qualificações que poderão interessar ao seu país mas que não estão dispostos (porque não podem) a ser remunerados pelo padrão dos salários timorenses.
Permita-se-me que, a propósito disto, conte uma das "estorinhas" mais próprias do "Livro das Contradisoens": nos idos de 2001, uma amiga minha, timorense, regressou da Austrália com o intuito de passar a residir no país. Depois de alguns contactos encontrou um emprego numa agência internacional da ONU a ganhar, salvo erro, cerca de 1100 USD/mês. Este salário era um "especial favor" da UNTAET por ela, no CV, se ter identificado como australiana. No dia em que foi assinar o contrato a funcionária da instituição olhou para ela e a sua cor de pele e disse-lhe: "Ah!... Mas a senhora é timorense! Nesse caso não lhe podemos pagar este salário mas sim [cerca de] 120 USD/mês".
A resposta dela não se fez esperar: "Ai sim?!... Então não quero o posto de trabalho, muito obrigado! É que dívidas australianas e salários timorenses não são compatíveis!...". E cerca de uma semana depois estava a embarcar de regresso à Austrália. Para nunca mais voltar!
Isto, como disse, levanta a questão de se encontrar uma solução que permita remunerar estes "expatriados" regressados com níveis de remuneração que sejam minimamente atraentes para os fazer ficar no país e contribuir para o seu desenvolvimento. Reconheço que a situação é/será delicada socialmente mas alguma coisa deverá ser feita no sentido de atrair a Timor estes timorenses qualificados sem que eles tenham que recorrer ao subterfúgio de reivindicarem outra nacionalidade na sua própria terra.
2 comentários:
Sao mais de 8.5 milhoes de dolares... na maior parte corresponde a cerca de um ano senão menos...
Sera que vale a pena?
Poderia responder como o Fernando Pessoa que "tudo vale a pena quando a alma não é pequena...". Infelizmente não é fácil fazer uma avaliação da situação mas é provável que haja algum desperdício. Mais neste projecto que em muita da cooperação em geral (toda ela cheia de desperdícios...)? Não sei, honestamente, responder-lhe.
Mas que no conjunto de 43 contratos analisados há uma mão de cheia de casos "curiosos" (chamemos-lhes assim...), também é verdade...
Enviar um comentário