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quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

E se os funcionários públicos de Timor Leste fossem pagos em arroz?!...

Já há algum tempo que cismava fazer umas continhas sobre o salário real dos funcionários públicos de Timor Leste. Uma forma de o fazer é "descontar" os salários actuais usando a taxa de inflação e comparar com o que ganhavam há alguns anos atrás. Essas contas já foram feitas e antes dos aumentos salariais efectuados em 2008 os funcionários recebiam ainda pela tabela implementada pela ONU em 2000! Com salários "congelados" e preços a subir --- cerca de 50-60% entre 2000 e 2008 ---, a queda de salário real foi muito significativa naquele período. A alteração da tabela salarial mal chegou para repor o poder de compra entretanto perdido.

Lembro-me que na época da fixação dos salários pela ONU esta pretendia estabelecer um nível mais baixo do que veio a suceder em boa parte por pressão dos dirigentes timorenses na época. O argumento da ONU era o de que os salários não deveriam divergir muito dos então praticados na vizinha Indonésia (e outros países da região) sob pena de o país não ter competitividade externa para poder dedicar-se às exportações. O salário mais baixo que foi então fixado para a Função Pública --- e que serviu de norma para a fixação dos salários no sector privado --- foi de 85 USD/mês, correspondentes na época, utilizando a "thumb rule" de 1 USD = 10 mil rupias que então vigorava, a cerca de 850 mil ruias mensais, bem acima do praticado na casa do vizinho. O mais elevado foi fixado em 361 USD/mês.

Tabela salarial fixada pela Administração da ONU em 2000

Só muito mais tarde, em 2008, os salários foram alterados pelo Governo da RDTL. Nessa ocasião a tabela salarial passou a ser a seguinte:


Como se pode verificar, o salário mais baixo passou de 85 USD mensais para 115 USD e o salário inicial no escalão mais alto passou a ser de 510 USD por mês.

Experimentemos agora converter estes salários em quilos de arroz ao preço da respectiva época.
Em Janeiro de 2003, quando os salários mensais mais baixo e mais alto fixados na época eram 85 e 361 USD, o preço médio de cada quilo de arroz era de 0,35 USD (35 cêntimos). Isto significa que com aqueles salários se podiam comprar, respectivamente, 243 e 1031 quilos de arroz.
Se considerarmos que o preço do arroz ronda actualmente os 18 USD/saca de 35kgs isso significa que o preço por quilo é de cerca de 0,514 USD.
Ora, um salário de 115 USD/mês permite comprar 224 kgs, menos 19 kgs que o salário de 85 USD ao preço antigo do arroz (cerca de 12 USD/saca). O salário de 510 USD permite actualmente comprar apenas 992 kgs, menos 39 kgs que anteriormente.

Claro que estas são contas que SÓ SÃO VÁLIDAS PARA OS SALÁRIOS E PREÇOS DE ARROZ INDICADOS. Qualquer alteração de um e de outro leva a resultados diferentes.

Conclusão: o salário real de hoje, SE MEDIDO EM QUILOS DE ARROZ, não será muito diferente do que era há alguns anos atrás. E os que consideravam que a competitividade do país era reduzida, continuarão a considerá-la baixa, eventualmente dificultando o processo de maior industrialização (e crescimento da produção em geral) do país.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

"Perguntando aos números" ou "sabia que?!..."

Numa aula que dei em Timor Leste comecei por escrever no quadro que "o principal ponto na Universdade é o ponto de interrogação". Por outro lado, tenho insistido sempre com os colegas com quem trabalho de que é essencial "fazer perguntas aos números". Isto é, às estatísticas ou a qualquer outra informação quantitativa.

É o que, ainda que de forma limitada, me proponho fazer agora.

Dis dos dados disponíveis a qualquer um mais interessado por estas coisas são os dos salários da Função Pública, por um lado, e os índices de preços e taxas de inflação, por outro.
Sabendo que houve no ano passado uma (mais que justa) revisão da grelha salarial que vinha do tempo da UNTAET, uma das perguntas que podemos fazer aos números é se os aumentos concedidos em 2008 cobrem ou não a evolução do custo de vida ocorrida desde 2001.
A base do Índice de Preços no Consumidor em vigor é a dos preços de Dezembro de 2001 e até Dezembro de 2008 o IPC aumentou, nos sete anos, 46,6%. De facto, o índice de Dez/08 com base em Dez/01=100 é exactamente 146,6.
Ora, se aplicarmos este valor multiplicando por 1,466 o salário mínimo da Função Pública em 2001 (85 USD) obtemos 124,61. Isto é: os 85 USD de 2001 equivalem a 124,61 USD em Dezembro de 2008. Como o salário mínimo fixado em 2008 foi de 115 USD isso significa que os (poucos?) trabalhadores que recebem (ainda) esse salário perderam poder de compra. Pouco, mas perderam. A grande maioria, felizmente, terá recuperado o poder de compra perdido (os tais 46,6%) e terão, até, melhorado um pouco a sua situação.

Outra "pergunta aos números" pode ser feita quando sabemos que em Dezembro de 2001 e a acreditar nos números então recolhidos pela "Estatística" do país, o arroz importado custava, por quilo e em média, 3333 rupias (sim. Na época ainda se "funcionava" em rupias). Utilizando a taxa de câmbio média de Dezembro de 2001 (10273 rupias por USD), isto equivalia a, contas redondas, 32 centavos por quilo.
O arroz então predominante nos mercados era o importado e o preço acima diz respeito a ele. Actualmente o arroz importado quase desapareceu dos mercados mais tradicionais e foi "substituído" pelo "arroz do Governo", que custa actualmente cerca de 34 centavos por quilo (12 USD/saca de 35kgs).
Isto é: graças ao subsídio pago pelo Governo ao arroz os consumidores viram o custo deste aumentar apenas 2-centavos-2 em 7 anos. Peanuts!... Principalmente se comparados com os aumentos de rendimentos entretanto verificados.
Por exemplo: se uma família tiver de comprar 50 kgs de arroz por mês e se o seu consumo não tiver aumentado entre 2001 e 2008, o seu gasto terá aumentado apenas de 16,2 USD em 2001 para 17 USD em 2008.
Estes valores significam que uma família que recebesse apenas um salário mínimo em 2001 dispendia 19% do mesmo na compra do alimento essencial da maioria dos timorenses urbanizados. Hoje essa percentagem terá baixado para cerca de 15%. Claro que, como a média dos rendimentos terá aumentado mais, esta percentagem terá diminuído ainda mais.

Outra "pergunta aos números": olhando para os preços do arroz "local", produzido em Timor Leste, e do arroz importado a diferença era, em 2001 e mais uma vez a acreditar nas estatísticas de então, mínima: 32 centavos para o importado e 34 para o "local" ou nacional.
Hoje em dia a diferença é muito maior, com o arroz local a atingir preços significativamente mais altos que o arroz importado. Ainda que nos últimos tempos se tenha vindo a assistir, por pressão do preço do arroz importado pelo Governo, a uma tendência para um certo reaproximar dos preços.

Enfim. Há tantas perguntas que se podem fazer aos números...