Já há algum tempo que cismava fazer umas continhas sobre o salário real dos funcionários públicos de Timor Leste. Uma forma de o fazer é "descontar" os salários actuais usando a taxa de inflação e comparar com o que ganhavam há alguns anos atrás. Essas contas já foram feitas e antes dos aumentos salariais efectuados em 2008 os funcionários recebiam ainda pela tabela implementada pela ONU em 2000! Com salários "congelados" e preços a subir --- cerca de 50-60% entre 2000 e 2008 ---, a queda de salário real foi muito significativa naquele período. A alteração da tabela salarial mal chegou para repor o poder de compra entretanto perdido.
Lembro-me que na época da fixação dos salários pela ONU esta pretendia estabelecer um nível mais baixo do que veio a suceder em boa parte por pressão dos dirigentes timorenses na época. O argumento da ONU era o de que os salários não deveriam divergir muito dos então praticados na vizinha Indonésia (e outros países da região) sob pena de o país não ter competitividade externa para poder dedicar-se às exportações. O salário mais baixo que foi então fixado para a Função Pública --- e que serviu de norma para a fixação dos salários no sector privado --- foi de 85 USD/mês, correspondentes na época, utilizando a "thumb rule" de 1 USD = 10 mil rupias que então vigorava, a cerca de 850 mil ruias mensais, bem acima do praticado na casa do vizinho. O mais elevado foi fixado em 361 USD/mês.
Tabela salarial fixada pela Administração da ONU em 2000
Só muito mais tarde, em 2008, os salários foram alterados pelo Governo da RDTL. Nessa ocasião a tabela salarial passou a ser a seguinte:
Como se pode verificar, o salário mais baixo passou de 85 USD mensais para 115 USD e o salário inicial no escalão mais alto passou a ser de 510 USD por mês.
Experimentemos agora converter estes salários em quilos de arroz ao preço da respectiva época.
Em Janeiro de 2003, quando os salários mensais mais baixo e mais alto fixados na época eram 85 e 361 USD, o preço médio de cada quilo de arroz era de 0,35 USD (35 cêntimos). Isto significa que com aqueles salários se podiam comprar, respectivamente, 243 e 1031 quilos de arroz.
Se considerarmos que o preço do arroz ronda actualmente os 18 USD/saca de 35kgs isso significa que o preço por quilo é de cerca de 0,514 USD.
Ora, um salário de 115 USD/mês permite comprar 224 kgs, menos 19 kgs que o salário de 85 USD ao preço antigo do arroz (cerca de 12 USD/saca). O salário de 510 USD permite actualmente comprar apenas 992 kgs, menos 39 kgs que anteriormente.
Claro que estas são contas que SÓ SÃO VÁLIDAS PARA OS SALÁRIOS E PREÇOS DE ARROZ INDICADOS. Qualquer alteração de um e de outro leva a resultados diferentes.
Conclusão: o salário real de hoje, SE MEDIDO EM QUILOS DE ARROZ, não será muito diferente do que era há alguns anos atrás. E os que consideravam que a competitividade do país era reduzida, continuarão a considerá-la baixa, eventualmente dificultando o processo de maior industrialização (e crescimento da produção em geral) do país.