Numa aula que dei em Timor Leste comecei por escrever no quadro que "o principal ponto na Universdade é o ponto de interrogação". Por outro lado, tenho insistido sempre com os colegas com quem trabalho de que é essencial "fazer perguntas aos números". Isto é, às estatísticas ou a qualquer outra informação quantitativa.
É o que, ainda que de forma limitada, me proponho fazer agora.
Dis dos dados disponíveis a qualquer um mais interessado por estas coisas são os dos salários da Função Pública, por um lado, e os índices de preços e taxas de inflação, por outro.
Sabendo que houve no ano passado uma (mais que justa) revisão da grelha salarial que vinha do tempo da UNTAET, uma das perguntas que podemos fazer aos números é se os aumentos concedidos em 2008 cobrem ou não a evolução do custo de vida ocorrida desde 2001.
A base do Índice de Preços no Consumidor em vigor é a dos preços de Dezembro de 2001 e até Dezembro de 2008 o IPC aumentou, nos sete anos, 46,6%. De facto, o índice de Dez/08 com base em Dez/01=100 é exactamente 146,6.
Ora, se aplicarmos este valor multiplicando por 1,466 o salário mínimo da Função Pública em 2001 (85 USD) obtemos 124,61. Isto é: os 85 USD de 2001 equivalem a 124,61 USD em Dezembro de 2008. Como o salário mínimo fixado em 2008 foi de 115 USD isso significa que os (poucos?) trabalhadores que recebem (ainda) esse salário perderam poder de compra. Pouco, mas perderam. A grande maioria, felizmente, terá recuperado o poder de compra perdido (os tais 46,6%) e terão, até, melhorado um pouco a sua situação.
Outra "pergunta aos números" pode ser feita quando sabemos que em Dezembro de 2001 e a acreditar nos números então recolhidos pela "Estatística" do país, o arroz importado custava, por quilo e em média, 3333 rupias (sim. Na época ainda se "funcionava" em rupias). Utilizando a taxa de câmbio média de Dezembro de 2001 (10273 rupias por USD), isto equivalia a, contas redondas, 32 centavos por quilo.
O arroz então predominante nos mercados era o importado e o preço acima diz respeito a ele. Actualmente o arroz importado quase desapareceu dos mercados mais tradicionais e foi "substituído" pelo "arroz do Governo", que custa actualmente cerca de 34 centavos por quilo (12 USD/saca de 35kgs).
Isto é: graças ao subsídio pago pelo Governo ao arroz os consumidores viram o custo deste aumentar apenas 2-centavos-2 em 7 anos. Peanuts!... Principalmente se comparados com os aumentos de rendimentos entretanto verificados.
Por exemplo: se uma família tiver de comprar 50 kgs de arroz por mês e se o seu consumo não tiver aumentado entre 2001 e 2008, o seu gasto terá aumentado apenas de 16,2 USD em 2001 para 17 USD em 2008.
Estes valores significam que uma família que recebesse apenas um salário mínimo em 2001 dispendia 19% do mesmo na compra do alimento essencial da maioria dos timorenses urbanizados. Hoje essa percentagem terá baixado para cerca de 15%. Claro que, como a média dos rendimentos terá aumentado mais, esta percentagem terá diminuído ainda mais.
Outra "pergunta aos números": olhando para os preços do arroz "local", produzido em Timor Leste, e do arroz importado a diferença era, em 2001 e mais uma vez a acreditar nas estatísticas de então, mínima: 32 centavos para o importado e 34 para o "local" ou nacional.
Hoje em dia a diferença é muito maior, com o arroz local a atingir preços significativamente mais altos que o arroz importado. Ainda que nos últimos tempos se tenha vindo a assistir, por pressão do preço do arroz importado pelo Governo, a uma tendência para um certo reaproximar dos preços.
Enfim. Há tantas perguntas que se podem fazer aos números...
2 comentários:
Fiquei sem perceber quando diz que existe uma tendencia para reaproximar dos preços... O preço do arroz local vai descer ou o arroz importado(governo)? parece-me muito dificil o arroz local descer devido aos escassos recursos produtivos e de marketing versus custos de produçaõ.
A acreditar nas estatísticas oficiais --- sublino isto pois é o único elemento informativo disponível sobre o assunto --- haverá uma tendência para uma redução do preço do arroz local, que tende, assim, a aproximar-se do que é identificado como "arroz importado".
Esta tendência não será de admirar se considerarmos que o mercado está "inundado" de arroz subsidiado pelo governo e os cultivadores locais, se quiserem vender o seu arroz, têm de baixar o preço.
Por outro lado, há uma certa "tendência de fundo" para que os produtores nacionais (seja qual for o produto) não alterem significativamente os preços dos produtos que vendem. Isto é: os preços tendem, em vários casos, a manterem-se iinalterados por longos períodos sem grande alteração.
Tudo junto, poderá, nomeadamente, colocar-se em questão se os dados estatísticos retratam fielmente os movimentos da realidade económica. Mas isso é outra história.
Para já, parece haver, de facto, alguma pressão no mercado para que os preços do arroz local e do arroz importado se aproximem mais que no passado recente.
Será verdade?
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