Desde há algum tempo, nomeadamente pela voz do Presidente Ramos Horta, muito se tem falado da dívida portuguesa, das classificações (em baixa...) desta pelas agências de notação financeira (hoje lá se foi mais um degrau...) e da possibilidade de Timor Leste, em eventual coordenação com Angola e Brasil, emprestar dinheiro a Portugal.
Começo por dizer que não simpatizo por princípio, nem um bocadinho, com a interferência de critérios políticos com critérios de aplicação de dinheiro que devem ser sobretudo de natureza técnico-financeira.
Dito isto, vejamos qual é a situação.
A Lei do Fundo Petrolífero (FP) em vigor discrimina explicitamente os títulos de dívida de acordo com a sua classificação (AAA, etc...) que podem ser adquiridos pelo FP. Nunca concordámos com esta opção pois pensamos que se trata de uma decisão de política de investimento que deve estar fora do âmbito da Lei, a qual deve ser apenas o quadro daquela política mas não incluir a discriminação, tim-tim-por-tim-tim, dos tipos de títulos a adquirir. A listagem destes deve, quanto a nós, constar de documento próprio com mais flexibilidade do que a que a Lei lhe deu (só seria possível rever ao fim de cinco anos) --- embora a própria Lei, aparentemente ao contrário que muitos pensam, pudesse ser alterada a qualquer momento por vontade dos deputados do Parlamento Nacional. mas não foi.
Na proposta de alteração da Lei do FP que foi apresentada recentemente pelo Governo no Parlamento (28JUN11) o artigo que discrimina as classificações dos títulos a adquirir desaparece pura e simplesmente, devendo ser, como julgamos correcto, objecto de um documento próprio que dê corpo à política de investimento a ser seguida (e não confundimos "política" com "estratégia" como muitos parecem fazer).
Na arquitectura da proposta agora em discussão a maior parte dos poderes de gestão do Fundo, que até agora estão mais ou menos repartidos entre o Governo (Ministro das Finanças), o conselho consultivo para o investimento e o gestor operacional (actualmente o Banco Central/ABP) num conjunto de
checks and balances que até tem funcionado bem são muito mais concentrados nas mãos do Ministro das Finanças, por natureza um órgão essencialmente político.
Não se nega a lógica de o "procurador" privilegiado do dono do Fundo --- povo de Timor Leste representado pelo Governo --- ter o direito de "dar cartas" no essencial da governação do Fundo mas parece-me que seria mais "equilbrado" se se mantivesse alguns dos
checks and balances actualmente existentes. "Dar cartas" é uma coisa; "pôr e dispor" é outra...
O predomínio (que pode ser muito grande) do nível de decisão política sobre o nível técnico-financeiro não nos parece muito saudável já que, afinal, um Fundo Soberano é um tipo de Fundo especial, "de todo o povo" e não do Governo A, B ou C --- o que, quanto a nós, exige uma estratégia mais "calculista" (menos "práfrentex...") de gestão do FP. Esse predomínio deixa, aparentemente, margem de manobra ao governo que aplicar a nova Lei para comprar títulos que não seriam "compráveis" ao abrigo da Lei agora em vigor. Como é o caso actual da dívida portuguesa.
Nem se nega o reconhecimento de o dono da "bufunfa" poder decidir aplicar parte da mesma em acções ditadas principalmente por opções políticas, de alguma "solidariedade internacional", e não por opções financeiras devidamente fundamentadas. Mas pensamos que, no mínimo, deve haver algum limite a impor à verba a usar para esse efeito. 5%? 8%? Por aí... Mas mais do que isso é arriscar demasiado...
Embora se saiba que as taxas de juro da dívida portuguesa sejam muito atractivas comparativamente com as dos títulos americanos que preenchem actualmente a quase totalidade da carteira de títulos do Fundo e --- acreditamos nós... (ou é apenas
wishfull thinking de português?!...) --- estejamos convencidos que Portugal vai mesmo pagar a sua dívida. O que poderá fazer da compra da dívida portuguesa um bom negócio e não uma aposta em "papéis" que não valem um tostão furado...